Mangueira contará lado B da história do Brasil no Carnaval 2019

Foto: Divulgação

As escolas mais tradicionais do Rio virão com tudo no Carnaval 2019. Depois de a Portela revelar sua homenagem a Clara Nunes e o Salgueiro indicar que o centro de seu enredo será Xangô, o padroeiro da escola, a Mangueira anunciou de uma vez enredo e sinopse. E tem tudo para ser uma pedrada!

Naquela que é sua proposta mais sofisticada e ousada, Leandro Vieira vai contar o lado B do Brasil, a versão que não está nos livros de história. Em Histórias para ninar gente grande, o carnavalesco propõe uma narrativa baseada no que ele denomina como as páginas ausentesDiz o texto da sinopse:

” Se a história oficial é uma sucessão de versões dos fatos, o enredo que proponho é uma ‘outra versão’. Com um povo chegado a novelas, romances, mocinhos, bandidos, reis, descobridores e princesas, a história do Brasil foi transformada em uma espécie de partida de futebol na qual preferimos “torcer” para quem “ganhou”. Esquecemos, porém, que na torcida pelo vitorioso, os vencidos fomos nós.”

Leandro Vieira ressalta que as versões consagradas de vários fatos históricos são elitizadas, escritas por aqueles com poder político, econômico, militar ou educacional num país que até o século 19 era composto quase que completamente por analfabetos – onde ler e escrever era luxo pra poucos.

O primeiro exemplo citado pelo enredo é a ideia de que o Brasil foi “descoberto” pelos portugueses, quando, na verdade, Cabral e sua esquadra teriam iniciado o processo de conquista do nosso território. A noção de “descobrimento” nos tornaria uma nação que despreza totalmente a cultura indígena, dos povos derrotados depois de quase meio século na guerra de resistência contra os invasores europeus: “somos brasileiros há mais de 12 mil anos, mas insistimos em ter pouco mais de 500″.

Monumento do Cacique Cunhambebe | Bertioga

Seguindo esta lógica, sumiram personagens como Cunhambebe, cacique tupinambá que resistiu aos ataques dos tamoios; os cariris que se organizaram em uma confederação, mas foram chamados de bárbaros, os caboclos que lutaram no 2 de Julho na Bahia esquecidos. Para a maioria, a cultura indígena só nos legou o balanço da rede, a mandioca, o caju e meia dúzia de lendas.

Os bandeirantes eram desbravadores que expandiram os territórios ou saqueadores? Dom Pedro I foi o heroi da independência ou fez um acordo de família com o pai que o teria mandado enfiar a coroa na cabeça antes que algum aventureiro o fizesse (os aventureiros, no caso, éramos nós, brasileiros). A República teria nascido de um golpe e Tiradentes seria um herói fabricado.

Aliás, as razões alegadas para os golpes parecem sempre mal contadas. Os generais militares que solaparam a democracia em 1964 seguem dando nomes a estradas, pontes, estádios e, vira e mexe, há pessoas que defendem a volta deles ao poder como forma de resolver nossos problemas.

O enredo lembra que a história oficial ignora solenemente a atuação de gente comum que lutou por causas como o fim da escravidão, caso de Luiza Mahin, Zumbi, Dandara e Chico da Matilde, jangadeiro do Ceará, estado que declarou a abolição quatro anos antes de a princesa Isabel ganhar a fama por colocar fim ao mais tardio regime escravocrata das Américas.

Conheça a história de Chico da Matilde, o Dragão do Mar

O que amarra todos estes fatos históricos? A ideia é desfazer o mito de que o povo brasileiro não luta por seus anseios e, consciente de sua bravura, faça o gigante despertar de verdade e não apenas para se distrair com a TV. Uma vez nutridos por um orgulho novo, largaríamos o complexo de vira-latas e passaríamos a valorizar o que é nosso, desde as esculturas de Aleijadinho, ao tupi que misturamos ao português castiço, às lendas do saci, às nossas festas como o Reisado e Bumba Meu Boi…

” Vibraremos quando [Ariano] SUASSUNA estrear em “ROLIÚDE” sem tradução para o SOTAQUE de João Grilo e Chicó. Não estranharemos caso o Mickey suba a ESTAÇÃO PRIMEIRA, troque “my love” por “minha nêga” e mande pintar o “parquinho” da Disney com o VERDE E O ROSA DA MANGUEIRA.”

Potencialmente, é uma proposta muito interessante, com a capacidade de inspirar a ala de compositores a fazer um samba de versos fortes, como foi o enredo da Tuiuti em 2018, que deixou a avenida tão surpresa quanto encantada com a mensagem. Leandro Vieira vai disputar em 2019 com Jack Vasconcelos, que também prepara uma narrativa voltada para a política.

O manifesto em favor do carnaval popular não surtiu o efeito desejado na avenida, deixando a verde e rosa em quinto lugar. A escola vem com sede para o Carnaval do ano que vem e, se os compositores compreenderem bem a proposta de Leandro Vieira, teremos a oportunidade de ouvir um samba importante.

A Mangueira, ao mesmo tempo em que adere a um tom mais marcadamente político, resgata uma tradição das escolas de samba popularizada pelo Salgueiro ao trazer para a vitrine do carnaval personagens antes desconhecidos do brasileiro comum, como Chica da Silva (1963) e Chico Rei.

Ouça o samba Chica da Silva:

E o samba da Mangueira em homenagem a um poeta negro e alagoano chamado Jorge de Lima, enredo do Carnaval de 1975.

29 de jun de 2018

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