Unidos da Tijuca recheia seu enredo do pão com tom místico pro Carnaval 2019

Quando foi sorteada a ordem de desfile do Grupo Especial para o Carnaval 2019, foi impossível deixar passar em branco a coincidência da posição obtida pela Unidos da Tijuca com o seu enredo, anunciado uma semana antes em sua quadra.

A escola será a última a desfilar no primeiro dia. Assim como ocorreu com a Mocidade este ano, a Tijuca vai se apresentar, na melhor das hipóteses, durante o amanhecer e terminar com o sol brilhando, hora de café da manhã, hora do principal ingrediente e fio condutor do enredo, o pão.

A apresentação da sinopse de Cada macaco no seu galho. Ó, meu Pai, me dê o pão que eu não morro de fome! ocorreu na quadra num evento que mais parecia uma missa do que preparação para o carnaval. Mas não era superrepresentação. Esse é o tom que a azul e amarelo pretende dar ao seu carnaval, mezzo crítico, mezzo místico.

Veja a performática apresentação de enredo da Tijuca:

A sinopse dedica cinco parágrafos para explicar essa junção de ideias expressas no título: a história física do pão, como ele foi usado pelos homens como alimento, a simbologia religiosa e ainda sua dimensão social – o pão que alimenta a alma e também mata a fome do povo.

O enredo volta à Antiguidade, mais precisamente à Mesopotâmia, onde o pão teria sido descoberto “por acaso”. Depois vai ao Egito, onde se desenvolveu a fermentação da massa, criando o alimento que logo virou moeda de troca e instrumento político. Ao longo da história alimentou impérios, como o Romano, e foi pivô de revoltas, diz a sinopse, provavelmente uma referência à infeliz frase de Maria Antonieta às vésperas da Revolução Francesa, “se não têm pão, que comam brioche”.

A parte simbólica começa a ganhar corpo neste trecho citando Cristo e depois outras religiões para as quais o pão é um alimento físico e da alma:

 O povo explorado, muitas vezes escravizado, sempre trabalhou pelo alimento de cada dia. O humilde proletário, que madruga atrás de condução, também está em busca de uma vida melhor. E é na fé que esse homem se sustenta. Fé encontrada no filho de Deus, que se fez carne entre os pecadores. O Cordeiro de Deus deixou-nos o exemplo da multiplicação e partilha do amor com os irmãos.

A menção à fé soa como uma espécie de senha para o enredo enveredar por uma veia política, referindo-se a uma realidade atual que é muito cruel, de ódio e intolerância, que só podem ser vencidos com a força de espírito e a noção de que cada um deve fazer o seu melhor em nome do bem comum. Apesar de criticar a era do politicamente correto, a sinopse se esforça para deixar claro que a expressão “cada macaco no seu galho” não deve ser lida em seu sentido primitivo e preconceituoso, o que não faria sentido em uma manifestação como o carnaval carioca, de tão forte ascendência negra.

A sinopse termina em tom de oração: Enquanto não desfrutamos desta abundância, sei que tudo poderá me faltar: água, pão. Mas nada tirará o meu ânimo de viver. Nada! Porque sei que nunca me faltará o teu amor, Pai. Amor que gerará filhos, nascidos sem dor. Filhos que crescerão como homens de bem, direitos. Direitos que serão ensinados para vivermos em um mundo melhor.

Essa mistura entre religiosidade, história, crítica social remete muito ao confuso enredo apresentado em 2018 pela campeã Beija-Flor. A referência não é gratuita, uma vez que o próximo carnaval marcará a estreia de Laíla na comissão da Tijuca. O ex-homem-forte da azul e branco de Nilópolis retorna à escola do Borel depois de mais de 30 anos, disposto a mais um capítulo vitorioso da sua biografia. Levou com ele o carnavalesco Fran Sérgio.

Laíla disse, em entrevista ao site Mais Carnaval esperar que a escola tenha um samba-enredo forte, que dê peso à mensagem de paz que a Tijuca pretende deixar com seu desfile. Foi exatamente na força do samba que a Beija-Flor este ano emocionou os componentes, o público e abriu caminho para a vitória, apesar de certa fragilidade estética e da narrativa do enredo.

Desde a chegada de Paulo Barros, em 2004, a Tijuca subiu de patamar e se transformou numa escola grande, que disputa títulos e é assídua frequentadora do desfile das campeãs. Em 2016, encerrando o primeiro dia do Grupo Especial, acabou vice-campeã cantando a pujança da agricultura brasileira, enredo financiado pelo agronegócio.

Reveja o desfile da Tijuca em 2016:

O desastre com a alegoria no desfile de 2017 foi uma exceção na trajetória do Pavão e a virada de mesa preventiva antes da apuração, cancelando o rebaixamento mesmo antes da abertura dos envelopes, esfriou os ânimos da Tijuca no carnaval 2018, em que homenageou Falabella e terminou em sétimo lugar.

A proposta de enredo para 2019 é confusa do ponto de vista de narrativa, entremeando a sequência histórica com apelos ao simbolismo religioso. Só que não se pode dar de barato a competência da escola para desfilar, sobretudo com a chegada de um profissional como Laíla pra comandar a comissão de carnaval. Ainda integram o grupo responsável pelo desenvolvimento do desfile os carnavalescos Fran Sérgio, Annik Salmon, Hélcio

Paim e Marcus Paulo, sendo que os últimos três já estavam na escola.

Emprestando o bordão de um dos puxadores recentes: “Cuidado que a Tijuca vem aí”!

27 de jul de 2018

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