Uma viagem por dentro das baterias, o coração das escolas de samba

Bateria da Mocidade Independente no Carnaval de 2017 / Gabriel Monteiro – Riotur

Semana passada, a Sapucaí voltou a receber os ensaios técnicos e a grande ansiedade que cercava o evento foi brindada com ótimas exibições das baterias da Vila Isabel, Mocidade e Unidos da Tijuca. As “orquestras de percussão” do maior espetáculo da Terra valem um dedinho de prosa mais detalhado.

A bateria é o coração de uma escola de samba. Ela dita o ritmo do cortejo, empolga os componentes, executa o acompanhamento do hino e cria o clima tão peculiar do Carnaval. Sua importância é tal que seu desempenho influencia 4 quesitos: bateria, óbvio, evolução, harmonia e samba-enredo.

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Algumas baterias e seu ritmo maravilhoso

De todos os segmentos de uma escola de samba, a bateria, é aquele que mais ensaia, porque tudo tem de sair sincronizado, de preferência perfeito, ou o risco de perder décimos preciosos é grande. Estamos falando de cinco, seis meses de treino. Mas aí você pergunta? Como assim, se a gente só conhece o samba em dezembro?!

É verdade, se você não frequenta a escola, só conhecerá o samba em dezembro, quando o CD oficial é lançado. Mas desde julho, agosto, quando começam os concursos para escolha do samba-enredo, a bateria já está em contato com os potenciais candidatos. Nas eliminatórias nas quadras, a bateria toca para todos, ao contrário do intérprete oficial, que só vai cantar o escolhido. Aliás, a integração do samba com a bateria é um aspecto importante a se considerar durante o concurso.

Uma vez escolhido o samba, em outubro, o mestre de Bateria afina essa integração, criando um desenho rítmico específico para aquela música e também as bossas, conhecidas como paradinhas, o momento em que os ritmistas fazem “acrobacias” sonoras para empolgar os componentes e o público.

A invenção da “paradinha” é atribuída a José Pereira da Silva, mais conhecido como Mestre André, que comandava a bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel. Há algumas versões para o feito, todas datando seu surgimento no desfile do carnaval de 1959. Ele também popularizou o uso do apito como forma de comando aos ritmistas. A criatividade e conhecimento de seu mestre rendeu à Mocidade a fama de ter o melhor conjunto de batuqueiros do Rio.

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Pequena reportagem sobre Mestre André e a invenção da paradinha

Durante muitos anos, várias escolas resistiram a seguir a característica da bateria da Mocidade. Salgueiro, Portela, Mangueira, Beija-Flor batiam “retas”, ou seja, sem bossas até os anos 1980. Com o tempo, as baterias foram se rendendo à tentação de seduzir o público com suas habilidades. Uma das últimas a se render foi a Mangueira. Hoje em dia, embora não seja obrigatório pelo regulamento, uma bateria que não faça bossas, corre risco de ser pior avaliada pelos jurados.

No Grupo Especial, as baterias geralmente têm de 220 a 300 componentes. Quando o tempo do desfile era maior, o Império Serrano já chegou a desfilar com 420!!  Só como termo de comparação, uma orquestra sinfônica tem uma centena de músicos. Então, pra coisa dar certo, precisa mesmo de muito ensaio!

As baterias são divididas, como as orquestras, em naipes, conforme ensina mestre Odilon, um dos mais talentosos e didáticos. Naipe nada mais é do que um grupo de instrumentos e, hoje, a maior parte das escolas adotou a figura de um diretor para cada instrumento. Se uma sinfônica tem naipe de violinos, a bateria tem de tamborins, só para ficar nos exemplos mais típicos.

Mas quais são os instrumentos de uma bateria?

  • Marcação: os surdos de 1ª e 2ª, que trocam um no contra-tempo do outro, ditando o ritmo do desfile; há o surdo de 3ª, também chamado de “fofoqueiro” porque conversa com o de 1ª e 2ª.
  • Repique: alguns chamam de 4º surdo, porque ele é tocado com baqueta e a mão; a função dele é mais de solista, pois é o responsável por chamar de volta a bateria sempre que há uma paradinha ou na virada do samba.
  • Sustentação: o que preenche o ritmo e provê “o molho”, o balanço do samba são as caixas, tambores tocados com duas baquetas; algumas escolas usam caixas sobre um dos ombros. As escolas têm batidas específicas para esse naipe; na ala de frente da bateria vêm os chocalhos, que também exercem essa função, embora de execução mais limitada
  • Desenho rítimico: o tamborim é o instrumento que acompanha a melodia do samba e pontua determinadas partes do canto com suas convenções. Outros dois instrumentos que fazem isso são a cuíca e o agogô, este o instrumento de metal que sobrou nas escolas.
  • Extras: alguns instrumentos como atabaques, afoxés, taróis e frigideiras são usados eventualmente, dependendo da escola e do tom que o mestre quer dar em um determinado samba.

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Esse vídeo divide os instrumentos mais importantes e como eles “conversam”

As baterias têm personalidade forte, características que variam de escola para escola. As caixas da Mocidade, da Mangueira, da Vila Isabel batem diferente. Os surdos da Mangueira e da Portela também variam. Tanto que as escolas dão nomes para as próprias baterias. A do Salgueiro se entitula “Furiosa”, a portelense de “Tabajara do Samba”, em homenagem a uma famosa orquestra que havia nos anos 1950, a do Império Serrano de “Sinfônica do Samba”, a do Tuiuti de Super Som. Tem ainda Pura Cadência (Tijuca), Surdo Um (Mangueira), Não Existe Mais Quente (Mocidade), Swingueira de Noel (Vila) e por aí vai.

O andamento da bateria, medido em batimentos por minuto, determina o ritmo do cortejo. Quando você ouvir algo como “a bateria vai entrar em 135 bpm “, significa que o surdo bate nessa velocidade. Claramente, um erro nesta definição pode levar uma escola a se arrastar e estourar o tempo ou passar mais rápido do que deveria. Logo, o quesito evolução depende diretamente da orquestra percussiva não apenas para empolgar os componentes.

Resta falar de uma questão emocional: ainda não inventaram sistema de som capaz de registrar de forma precisa a sensação experimentada pelo ouvido humano ao escutar uma bateria bem afinada. As gravações oficiais usam os ritmistas, mas é impossível reproduzir o “peso” de 250, 300 instrumentos em uma gravação de estúdio. Com isso quero dizer o seguinte: você só entenderá porque as pessoas gostam tanto disso quando ouvir essa orquestra de percussão tocando ao vivo. É só lá, na avenida, que a gente consegue entender a magia que elas provocam, enfeitiçando o público. Ao menos uma vez na vida, assista a uma bateria tocando em um desfile oficial.

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Paradinha da Mocidade durante o ensaio técnico para o Carnaval 2019

15 de fev de 2019

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