Quer conhecer melhor a cultura brasileira? Então ouça samba-enredo!

O Dia da Cultura foi criado nos anos 1970 para celebrar a riqueza do Brasil, sua mistura de povos, de hábitos. Como disse o jornalista e escritor Jorge Caldeira, o país é “globalizado por dentro”, ou seja, temos um enorme caldeirão em que se misturaram elementos indígenas, africanos, portugueses, italianos, alemães, árabes, japoneses, espanhóis, holandeses, poloneses, judeus de todas as partes. Desta pequena Babel surgiu um país com características únicas no mundo.

Somos pródigos em danças, ritmos, gêneros musicais, comidas e arte popular. E neste espaço falamos sempre de uma em particular, o samba-enredo, gênero que se consolidou a partir da década de 1940 e serviu de trilha para o desfile de escolas de samba, que é uma síntese do Brasil. Reúne diversas artes, ritmo, dança, música, canto, alegria, celebração, passeando entre as crenças e religiões de forma desenvolta, sem censura.

Comprovando a tese da “globalização por dentro”, o samba-enredo começou falando da história oficial, por influência do governo Getúlio Vargas, mas a partir dos anos 1960 passou a retratar também aspectos da história não oficial, personagens verdadeiros ou lendários, obras e escritores. A década de 1980 incorporou de vez a crítica social e consolidou o gênero como um método de contar histórias, verdadeiras ou totalmente ficcionais.

O samba-enredo passeia por tantos eventos do nosso cotidiano, como da nossa cultura. A partir da década de 1990, foi liberada a possibilidade de temas internacionais. Gênero essencialmente democrático, ele encontrou um caminho para abordá-los sob a ótica do que tinham de sintonia com nossa própria identidade. Fala até de outros gêneros musicais: funk, rock, sertanejo, axé music.

No dia da Cultura, vamos fazer uma lista de sambas-enredos interessantes, não necessariamente pelo desfile que proporcionaram, mas por sua qualidade como contador das histórias da cultura deste país, tantas vezes vista com desdém por quem deveria dela se orgulhar.

1. Sublime Pergaminho (Unidos de Lucas, 1967). Quer entender a saga dos negros da África até a Abolição? Este samba é um primor de resumo. E não podemos esquecer que serviu de inspiração ao enredo da Tuiuti em 2018, que questiona o real significado daquele 13 de maio, 130 anos atrás.

2. Exaltação a Tamandaré (Aprendizes da Boca do Mato, 1958). Quer conhecer a biografia de alguém? Que tal ouvir um samba-enredo. Este samba foi composto por uma escola em que Martinho, hoje da Vila, deu seus primeiros passos como compositor. O Almirante Tamandaré foi biografado no Carnaval daquele ano.

3. Onde o Brasil aprendeu a liberdade (Vila Isabel 1972). Imagine em plena ditadura militar, Martinho da Vila falar, ainda que alegoricamente, sobre as lutas do povo brasileiro pra se livrar do julgo holandês, português…

4. Seca do Nordeste (Tupy Brás de Pina, 1971). Considerado um dos clássicos do gênero, ele descreve a luta do sertanejo nordestino contra a seca. Esta pérola, regravada por Clara Nunes, foi enredo de uma escola que fez parte da elite, mas ficou inativa por quase 20 anos e voltou a desfilar em 2015.

5. Os Sertões (Em Cima da Hora, 1976). O samba empresta o título de um dos maiores livros da nossa literatura, escrito por Euclides da Cunha, contando a história da Revolta de Canudos.

6. Chico Rei (Salgueiro 1964). Conta uma história sobre um personagem lendário da história de Minas de um Rei africano capturado no Congo e feito escravo no Brasil. O samba narra a história de como ele usou o ouro de Villa Rica para comprar a alforria, libertar seu povo, se converter ao catolicismo e fundar a primeira irmandade negra do país. Foi um marco na história das escolas.

7. Macunaíma, herói da nossa gente (Portela 1975). Narra o livro de Mário de Andrade, fazendo um resumo, a meu ver, superior ao do filme.

8. Mundo Encantado de Monteiro Lobato (Mangueira, 1968). O universo do escritor foi descrito com emoção pela verde e rosa num desfile emocionante.

9. Festa do Círio de Nazaré (São Carlos, 1975). A Estácio de Sá, até 1983 se chamava Unidos de São Carlos. No Carnaval de 1975 traçou um belo perfil da cultura paraense e da grande festa que se dá em Belém.

10. Martim CererÊ (Imperatriz 1972). Obra prima de um de seus maiores compositores, Zé Catimba, reproduz a história do poema homônimo do modernista Cassiano Ricardo que traça a formação do Brasil.

11. Capitães do Asfalto (São Clemente, 1987). Um grande momento da crítica social no carnaval, a escola de Botafogo traçou a saga do menor abandonado.

12. Macopeba, o que dá pra rir dá pra chorar (Unidos da Tijuca, 1981). Reconta o livro “Manuscrito Holandês”, de Manoel Cavalcanti Proença, que é uma epopeia brasileira sobre a luta do herói Mitavaí contra o Malvado Macopeba.

13. Xingu, O pássaro guerreiro (Tradição 1988). Samba com a grife do compositor João Nogueira, representa outra fonte importante de histórias do nosso Brasil, a cultura indígena.

14. Domingo (União da Ilha, 1977). A singeleza deste tema é outra vertente interessante de retrato do nosso tempo. O samba fala sobre como o carioca aproveita o seu dia de folga. Fez um sucessão no Carnaval.

15. Bidu, o canto de cristal (Beija-Flor, 1995). Mostrando que o samba também abriga outros gêneros musicais, esta é uma ode à cantora lírica Bidu Sayão.

16. Verás que um filho teu não foge à luta (Império Serrano 1996). Escola de grande sambas, a Serrinha emocionou a avenida com este samba sobre Betinho, o homem que lutou contra a fome.

17. Villa-Lobos e a apoteose brasileira (Mocidade 1998). Outra grande homenagem à obra de um artista que sempre teve paixão pela cultura brasileira.

18. O sol brilha eternamente sobre o mundo da língua portuguesa (Unidos da Tijuca, 2002). Um samba em homenagem ao nosso idioma passeando por onde ele é falado e por suas origens e grandes expoentes.

19. Paulicéia Desvairada – 70 anos de Modernismo (Estácio 1992). Este samba foi uma das maiores comoções da Sapucaí que eu presenciei acompanhando desfiles desde 1979. Conta a história da importância da Semana de Arte Moderna de 1922 para moldar nossa cultura no Século 20.

20. São Clemente comemora e traz Ruy Barbosa para os braços do povo (São Clemente 1999). Com o Dia da Cultura é em 5 novembro por ser a data de nascimento de um dos maiores intelectuais que tivemos, a lista termina com um samba em homenagem à vida de Ruy Barbosa.

03 de nov de 2017

COMENTÁRIOS