Preservação da natureza é defendida com desfile encantador da Portela

A imponente águia da Portela

A primeira década do século 21 não foi generosa com a Portela: apresentações desastradas, acidentes na avenida e colocações pra lá de modestas para uma escola deste porte. A preparação para o Carnaval 2008 ia pelo mesmo caminho. A diretoria demorou muito para decidir o enredo e o fato causou preocupação.

A crítica especializada torceu o nariz quando foi anunciada a proposta de Cahê Rodrigues: Reconstruindo a Natureza, Recriando a Vida: o Sonho Vira Realidade. Para eles, o enredo seria difícil de carnavalizar, além de haver pouco tempo para realizar o concurso de samba-enredo, o que, supostamente, poderia gerar um hino de qualidade inferior. Ao contrário do esperado, a Portela foi a escola do Rio com mais sambas inscritos no concurso, 54 ao todo, e a composição escolhida tinha assinatura de Ari do Cavaco, Ciraninho, Diogo Nogueira, Junior Escafura e Celsinho de Andrade.

Enquanto o samba crescia nos ensaios técnicos tanto no Portelão quanto no Sambódromo, os rumores eram de que o barracão estaria atrasado demais e a escola não conseguiria entregar a tempo o projeto do carnaval.

Quando a Portela apontou na concentração no domingo de carnaval, como quarta a desfilar, um momento de assombro: a águia não tinha movimento e uma concepção aparentemente estranha. A dúvida durou pouco porque, assim que foi ligada a iluminação com quase dois quilômetros de neon, a águia surgiu majestosa e deixou a plateia impressionada.

O início foi um cartão de visitas e tanto. Uma ala bem azul na frente, a águia rigorosamente toda em azul, num carro cheio de fontes de água verdadeira, e atrás as baianas como ninfas oceânidas em alusão à lenda grega da criação do mundo. O efeito era como se a águia estivesse emergindo e voando para os ares.

O enredo era, basicamente, um grito de alerta sobre a necessidade de se preservar a natureza e a escola trouxe em seus setores os ecossistemas fundamentais. Primeiro o mar, com a alegoria Esplendor dos Oceanos, com uma enorme baleia jubarte ao centro, peixes, tubarões “nadando” no ar. Exemplo do capricho das alegorias estava no queijo onde o destaque principal dançava, que era uma arraia e ela também se mexia como se estivesse no fundo do mar.

Depois desse início todo azul a escola se pintou de verde para falar sobre as belezas naturais do Brasil, o Pantanal, a Amazônia, a Mata Atlântica. O carro do setor, Terra, Templo da Evolução, trazia cobras, tribos indígenas e uma onça enorme, comandada por especialistas em movimento de grandes esculturas trazidos de Parintins, que fazia movimentos realistas e rugia forte ao passar pelas arquibancadas, levando o público ao delírio.

A alegoria com ruído de onça que fez sucesso com a plateia

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O setor do ar trazia outro carro interessante, grandes cones “vestidos” com o mesmo tecido da roupa dos destaques e com longas asas pintadas, dando a sensação de assistirmos a uma revoada de pássaros.

Nenhuma alegoria no desfile causou mais impacto do que a quinta, batizada como Viva a Vida. Trazia uma terra arrasada, apenas tocos de árvores, sem cor e um bebê raquítico, morto de fome. Uma imagem fortíssima! Só que a cada virada do samba, cerca de uma centena de pessoas provocavam uma transformação radical no cenário. Veja no vídeo abaixo:

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Ainda houve dois carros, um dedicado à fauna com um enorme gorila ao estilo King Kong na frente e o último das geleiras que sofrem com o aquecimento global e um enorme urso polar, além de pinguins e a velha guarda. Os pinguins também fizeram sucesso na ala que veio próxima ao carro.

De maneira geral, as fantasias eram de muito fácil leitura, desde os corais no mar, peixes, flores, animais, borboletas monarcas até as queimadas nas matas. O padrão de confecção era algo irregular e a chuva fina prejudicou um pouco as plumas, tirando um pouco do brilho.

O bom samba, bem interpretado por Gilsinho, casou com a bateria de mestre Nilo Sérgio e fez a escola evoluir com leveza, alegre, cantando bastante. No meio da apresentação, houve um desacerto que fez algumas alas correrem um pouco, mas o problema foi logo corrigido e caminhamos para um final muito forte, em que a plateia participou bastante, se divertindo.

A escola encerrou seu desfile sendo bastante aplaudida pelo público, deixando os componentes felizes. Foi daqueles tipos de desfile que a gente assiste com um enorme prazer e fica com pena quando acaba de tão agradável e a melhor síntese dele estava no refrão principal do samba.

Eu sou a água, sou a terra, sou o ar

Sou Portela

Um sonho real, um grito de alerta

A natureza que encanta a passarela

Na apuração, ficou claro que os jurados sempre seguram nota para escolas de domingo, com raras exceções. A Portela foi penalizada onde devia e também onde não devia, como alegorias, acabando em quarto lugar, atrás de Grande Rio, Salgueiro e do caixa infinito da Beija-Flor em sua fase mais forte na década passada com um enredo sobre lendas do estado do Amapá. Foi a primeira vez na década que a Portela chegou entre as seis primeiras, e a primeira presença no sábado das Campeãs desde 1998.

Nos tempos atuais, em que é preciso relembrar a importância da preservação ambiental e lutar contra movimentos que não acreditam nas evidências do aquecimento global, o desfile da Portela de 2008 serve como uma bela recordação.  Um alerta que continua válido uma década depois!

Para assistir ao desfile inteiro

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A foto da capa, de Henrique Matos, seguem a licença Creative Commons 2.0.

13 de dez de 2018

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