O ano em que a política invadiu o Carnaval e o Carnaval a política

Paraíso do Tuiuti – Foto: Fernando Grilli | Riotur

O Carnaval 2018 foi o mais politizado dos últimos tempos e o resultado final mostra que pode virar uma tendência, afinal todas as seis primeiras colocadas trouxeram mensagens políticas em seus enredos. Fala-se bastante dos desfiles da Beija-Flor e da vice-campeã Tuiuti, ambas focadas nas mazelas sociais do Brasil, embora com enfoques e narrativas distintas. Acontece que as demais escolas melhor colocadas trouxeram mensagens política também.

A terceira colocada, o Salgueiro, fez questão de exaltar e defender a relevância da mulher negra para a nossa formação com o enredo Senhoras do Ventre do Mundo.

A Portela contou a saga dos judeus expulsos de Recife que ajudaram a fundar Nova York e, neste contexto, fez um libelo contra a xenofobia. No final da coreografia, um dos integrantes da  comissão de frente desfraldava a bandeira dos refugiados. O último setor do desfile da Águia também mostrava os imigrantes que vão para Nova York, uma das cidades mais cosmopolitas.

Do macro para o micro, a Mangueira protestou contra a turrice do prefeito-bispo que fez o que pode para tumultuar a preparação do Carnaval 2018, cortando recursos, dificultando o trabaho das escolas o máximo possível. Pretendia ser estilingue, mas virou vidraça. Com Dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco pediu a volta do carnaval sem luxo mas com participação do povo e colocou o prefeito de Judas de Sábado de Aleluia.

E a Mocidade Independente faturou o sexto lugar com um enredo que cita as identidades e heranças culturais da Índia no Brasil, aproveitando para fazer um forte apelo pacifista, sobretudo quando o samba pede “tolerância entre os desiguais” e deseja “namastê pra todo povo da avenida”.

Os jurados perceberam a repercussão que o desfile da Tuiuti teve por sua mensagem de revolta com a desigualdade social e quebraram o paradigma de dar notas baixas a escolas com menor tradição. O feito da azul e amarelo tem pouca precedência na história recente do carnaval. Escolas que sobem ou são caçulas no grupo de elite raramente passaram do quinto lugar em seus primeiros desfiles. O último caso foi o da Viradouro que em seu quarto desfile no Especial chegou em terceiro lugar no Carnaval de 1994.

As pessoas ficaram surpresas com o engajamento das escolas de samba, mas se esquecem que elas são uma caixa de ressonância da sociedade, entidades que refletem a convivência de comunidades e por comunidade não imagine eufemismo para favelas. Tem gente pobre, de classe média, rica, formados, semi-analfabetos, com ensino básico, enfim, gente que se reúne em torno de uma paixão ou, no mínimo, um projeto.

Talvez em 2018, a angústia das pessoas tenha sido refletida de forma explícita nos enredos, como venho falando aqui neste espaço há algum tempo. Só que, mesmo pontualmente, o Carnaval da Sapucaí sempre refletiu a visão que as pessoas comuns têm do Brasil.

Seria bom que grande parte desta repercussão pudesse ser revertida em favor das escolas em sua queda de braço injusta com o poder público. Geram emprego, geram dinheiro e sempre precisam passar o pires atrás de recursos. São associações recreativas e culturais, merecem ser tratadas assim e com respeito.

17 de fev de 2018

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