Mocidade vai fazer uma reflexão sobre o tempo no Carnaval 2019

Depois de dois anos passeando pela cultural oriental, a Mocidade Independente de Padre Miguel assumirá uma feição metafísica no Carnaval 2019. Foi a primeira grande escola a divulgar a sinopse do seu próximo enredo, que vai falar sobre aquilo que temos de mais precioso e nunca conseguimos acumular ou guardar, o tempo. O título é Eu Sou o Tempo. Tempo É Vida, pelo quarto ano consecutivo com a assinatura de Alexandre Louzada.

Louzada gosta de enredos “surreais”, como ele mesmo chama, e a última vez que teve a chance de fazer um assim foi em seu último trabalho na Portela em 2015, quando homenageou os 450 anos do Rio com um toque de surrealismo propriamente dito. Agora ganhou a chance de voltar a temas mais abstratos, território onde se sente mais à vontade, segundo confessou no evento realizado pela verde e branco para anunciar o enredo.

Assista ao vídeo institucional divulgado pela escola sobre o enredo:

E este tom mais “filosófico”, menos literal fica bastante evidente pela maneira como o texto da sinopse começa:

As batidas do meu coração marcam o compasso no tambor do samba, quando ecoa o apito da partida do trem da vida, nos trilhos do tempo, caminho infinito, riscado no espaço pela cauda de luz da estrela-guia, que cria um vácuo de sonho que a ciência desafia e que invade a morada de Cronos, a antimatéria que brilha, magia, e que se comprime e se expande, se dobra, retrocede e avança, num vai e vem que se esvai e se lança numa viagem louca, do presente ao passado e, numa reviravolta, de volta para o futuro.

Clique aqui para ler a sinopse completa (http://www.mocidadeindependente.com.br/confira-a-sinopse-do-enredo-eu-sou-o-tempo-tempo-e-vida/)

O enredo, em suma, trata da relação do homem com o tempo e para contar essa história começa recuando para antes mesmo da humanidade existir e recorre à mitologia, com a criação do tempo por Kronos para fazer o encontro de ambos. A partir de então, a escola vai retratar o esforço humano empreendido ao longo da história pra entender como o tempo funcionava, seja observando as estrelas ou os fenômenos naturais.

A observação leva então à tentativa de medir o tempo: oportunidade para falar da invenção do relógio de sol, da clepsidra (instrumento que usava água), pêndulos, ampulhetas, calendários, tudo para tentar localizar o homem no tempo. Com isso, surge o “tic-tac”, tornando a humanidade refém do próprio instrumento que criou; em vez de medir o tempo, teríamos virado escravos dele.

Como reação, o homem busca aprisionar o tempo, o que faz por meio da arqueologia, dos museus, das bibliotecas, nos tempos atuais com auxílio da tecnologia, armazenando tudo na nuvem, ou no banco de sementes, um bunker de gelo na Noruega que guarda sementes de plantas para garantir a existência da agricultura em casos de catástrofes no mundo, sobretudo guerras.

Afinal, a humanidade percebe que o relógio não soma horas, faz o nosso tempo diminuir e conclui que tempo é vida, por isso, a única maneira de guardar o tempo é na memória, nas boas lembranças. Chega o momento da carnavalização:  a Mocidade que tem no símbolo o cosmo (a estrela), o verde da natureza e a eterna juventude no nome relembra grandes momentos da sua história, tempos que não voltam mais.

Apesar de a equipe ser praticamente a mesma do último carnaval, há uma novidade importante. O artista visual Hans Donner será colaborador da equipe de criação. Donner já foi responsável por toda a programação visual da TV Globo e sua ligação com o carnaval se deu através de Valéria Valenssa, a primeira mulata Globeleza, com quem se casou. Segundo Louzada, Donner tem liberdade para fazer sugestões e chamou a participação de parceria.

A presença de Donner no projeto cria a expectativa de ideias mais arrojadas sobretudo nas formas das alegorias, umas das principais críticas feitas ao trabalho da escola em 2018, que rendeu-lhe a sexta colocação.

O desfile de 2018, para você relembrar:

Rodrigo Pacheco, vice-presidente da escola, defendeu que o enredo, apesar de autoral, tem inúmeras possibilidades de captação de patrocínio, razão pela qual a Mocidade optou por fazer um evento para divulgação com coletiva para dar satisfação aos torcedores e, ao mesmo tempo, informar o “mercado”.

Com dois sambas festejados pela crítica nos últimos dois anos, a Mocidade iniciará seu concurso em 14 de julho. A escolha do hino oficial será feita em 15 de setembro.

A escola espera manter a boa fase. Desde 2002/2003, a Mocidade não voltava no desfile das campeãs. O título de 2017, ainda que tenha sido declarado de forma tardia e dividido com a Portela, não vinha desde 1996 e isso injetou muito ânimo no povo de Padre Miguel.

Na minha opinião, este enredo é um incógnita. A linha geral “big-bang”, a criação do tempo, observando o tempo, medindo o tempo e tentando aprisionar o tempo pode dar muito certo ou ficar hermético demais. A pegada normal de enredos temáticos costuma ser o bom humor como em O Boi Dá Bode, do Estácio (1988), ou da própria Mocidade com seus desfiles sobre a água (1991), o sonho (1992) e os jogos (1993). A proposta atual da Mocidade é mais onírica, reflexiva, talvez até já pensando no estilo de samba de Altay Veloso, vencedor dos últimos dois concursos de samba em Padre Miguel.

Um dos desfiles mais famosos da Mocidade foi o de 1992, Sonhar Custa nada, ou quase nada, que tinha o samba mais famoso do carnaval e foi vice-campeã:

08 de jun de 2018

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