A luta pelo topo do mundo do samba é uma guerra de décimos

Está chegando. Neste domingo, dia 4, Portela e sua co-campeã em 2017, Mocidade Independente, fazem o teste de luz e som no Sambódromo. Serão as únicas a terem o privilégio de ensaiarem completas no palco do grande desfile dos dias 11 e 12 de fevereiro. A disputa já começou faz tempo e cada vez martela mais forte na cabeça dos amantes das escolas de samba a pergunta fundamental, cuja resposta só chegará na Quarta-Feira de Cinzas: a próxima campeã.

Abocanhar o título de máxima campeã do carnaval carioca de 2018 e levantar o grande troféu na Praça da Apoteose é hoje uma disputa para não perder décimos, pelo que determinam as duas “bíblias” que regulam a competição: o regulamento do desfile e o manual do julgador. Em tese, todas as escolas entram com 270 pontos (30 para cada um dos 9 quesitos) e vão perdendo décimos ao longo da apresentação. Quem perder menos, vence.

Há muita discussão a respeito de como os jurados deveriam avaliar as escolas de samba e de que essa política de “penalização” torna o desfile muito amarrado. Por exemplo, o jurado de enredo que tirou 0,1 da Mocidade no desfile do ano passado, o teria feito, a julgar pela justificativa, pela falta de um destaque de chão que estava no roteiro de desfile e não passou na avenida. Será que um motivo desses seria mesmo importante para mudar uma nota? Não seria mais importante analisar a consistência do enredo que colocou Aladim no Marrocos?

Muitas apresentações ao longo da história perderam o título por erros das escolas: a própria Mocidade em 99 fazia um lindo desfile sobre Villa Lobos até um problema com alegoria que a fez abrir um buraco de setor inteiro. Tomou 7,5 de evolução. Mas ali todo mundo tinha visto o que ocorreu.

O Desfile Completo da Mocidade em 1999:

Para quem defende o conjunto da obra como mais importante, há desfiles tão superiores que deveriam ter vencido apesar das falhas. Há quem ache Mangueira 2017 superior ao desfile das 2 campeãs, mesmo com as falhas de evolução.  Mas também ocorrem certas subjetividades dos jurados que, se não são suspeitas, no mínimo, podem ser consideradas extremamente infelizes.

Por exemplo, a apresentação da Portela em 2016, aclamada de ponta a ponta pela Sapucaí, merecia ter perdido por causa de uma suposta insegurança do casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira por conta de água na pista? Voltando mais no tempo: a Beija-Flor de ratos e urubus deveria ter perdido porque um jurado não gostou dos termos em dialetos africanos no refrão do samba-enredo?

O tema é tão apaixonante que já virou até livro. O jornalista Marcello Mello, coordenador do prêmio Estandarte de Ouro, oferecido pelo jornal O Globo, acaba de lançar uma obra listando 10 desfiles que, na opinião dele, não venceram o carnaval e entraram para a história.

Em 2018 serão 54 julgadores, 6 pra cada quesito – 4 oficiais e 2 de reserva. Irão eles mais uma vez cometer o erro de serem rigorosos demais com algumas escolas (São Clemente e Tuiuti, por exemplo) e de menos com outras (como o caso da Tijuca, que passou pela avenida com o enredo desfigurado por causa do acidente com a alegoria e ainda acabou à frente da Tuiuti)?

Quem curte os desfiles mais que a competição acha errado os jurados serem uma espécie de fiscais procurando erros para tirar décimos: carros apagados, fantasias mal acabadas, bandeira da escola dobrada, as chances de ter algum detalhe errado num cortejo de 4 mil pessoas ao longo de 700 m é altíssima…

A favor dos jurados, o fato de que o mundo do samba não tem um consenso sobre o que seria um julgamento ideal. Veja o quesito samba-enredo, por exemplo: deveria ele levar em conta a qualidade artística intrínseca da obra ou apenas o desempenho na avenida? Há quem defenda os dois pontos de vista! Até porque há muito samba belo que chega na avenida e é incapaz de eletrizar os componentes, produzindo uma apresentação mais fria. Mereceria nota 10 por suas qualidades poéticas, melódicas e harmônicas então somente?

Para todos os efeitos, as regras básicas permanecem as mesmas: desfile de, no mínimo, 65 e máximo de 75 minutos (estourar o tempo custa 0,1 por minuto); 5 ou 6 carros alegóricos e mais 3 tripés; proibição de merchandising; pelo menos 200 ritmistas na bateria; não pode ter homem na ala das baianas; componente não pode desfilar nu e assim por diante.

No ano passado, esta coluna fez uma série de posts sobre como se julga cada um dos nove quesitos. Quem tiver curiosidade, pode começar por esse aqui e depois ler como se julga cada quesito nos textos seguintes.

Mestre Carnaval: Você sabe como uma escola de samba ganha o Carnaval?

O debate sobre o que seria um julgamento ideal ainda permance por fazer. As escolas precisam dele até para se repensarem em função da provável cisão com o poder público, que não tem data certa pra terminar. O modelo que vai vingar é o da Portela Verdade, organizada e em avançado processo de profissionalização ou o proposto pelo enredo da Mangueira de 2018 (vamos derrubar este portão e ocupar as ruas como era antes?) ou vão deixar o vigente na maioria das escolas esgarçar até ser inevitável mudar? Esta é uma discussão que vai ficar pra depois do Carnaval 2018, dependendo de quem levantar o troféu na Praça da Apoteose.

02 de fev de 2018

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