Grande Rio e Império são salvas do rebaixamento em reunião secreta

Desfile da Grande Rio 2018 – Foto: Gabriel Monteiro | Riotur

Vem De Lá Ó Criançada, Que Hoje Tem Marmelada Pois o Circo Já Chegou…

Quem diria que eu usaria um dia estes versos alegres e de melodia empolgante de um samba-enredo de Davi Correa em um contexto que não só não empolga como entristece quem gosta de escolas de samba. Na noite de quarta-feira, pouco antes de março começar, tornou-se público o que já se falava nos bastidores: Grande Rio e Império Serrano, rebaixadas pelo que fizeram na pista, não vão disputar a Série A em 2019.

A decisão foi tomada, como sempre, a portas fechadas, em uma das famigeradas plenárias da Liga Independente. A reunião que estava agendada pra ser uma avaliação do Carnaval foi encerrada com mais um regulamento rasgado. Por decisão de dez presidentes das co-irmãs Império Serrano e Grande Rio serão “convidados a permanecer” no Grupo Especial. Apenas Mangueira e Portela foram contra mais esta marmelada.

Enquanto rolava a reunião, circulou na internet um ofício da Prefeitura do Rio, subscrito pela Riotur que se tentou vender como se o folião inapetente Marcello Crivella estivesse clamando pela solução que seria confirmada mais tarde. O texto na verdade afirma que a Prefeitura nada tem a opor ao “pedido das escolas” e do prefeito de Caxias.

Pouco tempo depois, foi confirmada a nova virada de mesa, ainda pior que a do ano passado, decidida antes dos envelopes serem abertos. Os palhaços do inesquecível desfile da Portela de 1980 somos nós, porque os dirigentes não se preocuparam sequer em arranjar uma boa desculpa, um argumento, uma brecha de regulamento que fosse. Provavelmente vai ficar como símbolo do caso a frase do presidente da Grande Rio, Helinho de Oliveira, em entrevista ao site Sambarazzo, antes da reunião: “Quem tem amigo, não morre pagão”, em outras palavras, “não vale o que está escrito”, como dizia a máxima do jogo do bicho.

Desfile do Império Serrano 2018 – Foto: Gabriel Nascimento | Riotur

De pouco adianta o presidente da Liesa se esforçar em prometer que a partir do ano que vem isso não acontecerá mais. Porque é uma promessa que ele não poderá cumprir: se em 2017, a Mocidade virou campeã também em uma destas reuniões e não houve rebaixamento, este ano, anulamos a bel prazer o resultado de quem se deu mal. O baú foi aberto, qualquer escola se sentirá no direito de contestar qualquer resultado. Sabemos bem que certas escolas terão seus pleitos atendidos e outras de menos prestígio pagarão o preço sob o discurso de “respeito ao regulamento”.

O mundo do Carnaval recebeu a confirmação com uma mistura de perplexidade, pela audácia de virar a mesa de forma tão primária, e resignação, uma vez que não foi a primeira vez que isso aconteceu e – imaginam – não será a última.

Os defensores da Grande Rio, acreditem, houve isso também, argumentam que muitas e muitas escolas já foram beneficiadas por este tipo de decisão. Antes de dos últimos dois anos, o cancelamento do rebaixamento neste século só havia ocorrido em 2011, por conta do incêndio na Cidade do Samba antes do carnaval, o que, convenhamos, é um motivo muito diferente.

Foram ainda mais atrás: lembraram os casos de 1981 e 1988.  Porque o mesmo Império Serrano foi des-rebaixado sem motivo aparente e em 1988, a Imperatriz. Ambos sagraram-se campeões do ano seguinte. O Tuiuti, injustamente posto em  último no ano passado, por pouco não repete a escrita em 2018. Atenção pessoal: se escrita vale alguma coisa a Grande Rio é favorita ao título de 2019.

Desfile da Imperatriz:

 

A Imperatriz, em 1988, chegou a entrar na Justiça, porque considerou injusto ter perdido pontos por ter estourado o tempo em 8 minutos. Como o Judiciário não concedeu liminar, a escola recorreu aos “amigos” e se deu bem. Aliás, cronometragem é um dos grandes problemas do Carnaval. Chegou-se a lembrar até do Carnaval de 1960 para dizer que Portela e Mangueira não poderiam se vangloriar de terem ficado contra a atual marmelada.

Em 1960, o desfile ainda era na Presidente Vargas. A Portela era a favorita, ao lado do Salgueiro. Aquele foi o primeiro ano em que a cronometragem causaria perda de pontos. Finda a apuração, a Portela havia vencido, mas com os descontos de cronometragem, o título ficaria com o Salgueiro. Ocorre que Portela e Mangueira protestaram por terem sofrido com a ação da polícia durante o desfile. Naquela época, as escolas não tinham o mesmo status e tanto policiais quanto juízes de menores entravam no meio delas para tentar retirar crianças do cortejo, o que tumultuava a apresentação. Fácil entender que a confusão foi generalizada. No dia seguinte, acatou-se a decisão de fazer 5 escolas campeãs – Salgueiro, Portela, Mangueira, Unidos da Capela e Império Serrano.

Houve outras razões de cancelamento, desde apadrinhamento de escola por dirigentes da Liesa, como a Unidos da Ponte em 1993, até problemas e suspeição de jurados, como em 1994, o que inchar o Grupo Especial para 18 escolas.

Nada disso justifica o erro presente, no entanto; só mostra que havia precedentes na falta de zelo com um dos melhores produtos culturais que nós temos, o desfile das grandes escolas de samba. Que o Carnaval 2019 não nos traga mais surpresas desagradáveis!

Olha o palhaço que está lá no meio da rua, concluía o samba que deu a 20ª estrela à Águia de Madureira em 1980, citado no início deste texto. Pois é, os palhaços somos nós, à espera das justificativas dos jurados. Será que vamos ter alteração no topo da tabela também?

02 de mar de 2018

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