Entenda como as escolas de samba do Rio se organizam no Sambódromo e além dele

Desfile de escola de samba fora da Sapucaí

O luxo e esplendor a que você assiste todos os anos no Sambódromo dá a impressão que o Carnaval das escolas de samba é só ali, né?! Seria mais ou menos como dizer: só existe a Champions League ou só a Fórmula 1. Mas como se dá a competição que garante ao Grupo Especial o título de “elite do carnaval carioca”? Se no Sambódromo desfila a elite, onde está o resto?

Você sabe dizer quantas escolas de samba existem no Rio de Janeiro? O Carnaval 2019 terá o maior contigente de agremiações na Sapucaí em alguns anos. Isso porque o Grupo Especial está com 14 escolas e a Série A com 13. Só que elas são apenas a superfície: no Carnaval 2018 estavam inscritas para desfilar 81 escolas de samba; em 2019 serão 79 e isso porque 5 estão suspensas!

Desde o início, lá na década de 1920, as escolas nascem como agremiações carnavalescas. Na época, era mais comum se denominarem como blocos ou cordões. A Portela nasceu como Conjunto Oswaldo Cruz. A Deixa Falar foi a primeira agremiação que se auto-denominou “escola de samba”, mas ela mesma nunca desfilou como uma. Criada em 1928, desfilou como rancho em 1929 e depois foi desfeita, dando origem a outras agremiações da qual a Estácio de Sá é herdeira.

Mais do que a nomenclatura, importante aqui é o método. Os grupos carnavalescos se reuniam e se reúnem em função da proximidade geográfica, no contexto de bairros, comunidades, favelas, geralmente onde havia um “agitador cultural”. Naquela época, exerciam a função as tias “baianas”, das quais a mais famosa foi Tia Ciata. Tia Esther era a “influencer” em Oswaldo Cruz e Madureira e, em torno dela, os bambas que formariam a Portela se conheceram.

Pedro Ernesto foi prefeito do Rio de Janeiro quando era Distrito Federal e incorporou o desfile de escolas de samba ao calendário oficial da cidade.

Em 1934, surgiu a primeira entidade para promover, organizar os desfiles e se relacionar com o poder público, que via os sambistas mais ou menos como vê hoje os rolezinhos e pancadões. A União das Escolas de Samba surgiu e no ano seguinte o desfile passou a fazer parte do calendário oficial da cidade.

Ao longo dos anos, essas associações tiveram vários nomes, dissidências e conciliações. Em 1984, logo depois do primeiro desfile realizado no atual Sambódromo, as principais escolas de samba do Rio fundaram a Liga Independente das Escolas de Samba. O objetivo era tornar a negociação mais vantajosa para as agremiações na distribuição do dinheiro de ingressos, direitos de TV, etc. Ela passou a ser responsável apenas pela organização do Grupo Especial.

Atualmente, existem 4 entidades que organizam os desfiles: a Liesa, para o Grupo Especial, a Lierj, para a Série A e a Liesb (Liga das Escolas de Samba do Brasil) que organiza os desfiles que não são realizados no Sambódromo junto com a ACAS (Associação Cultural Amigos do Samba).

As escolas de samba são divididas em Grupo Especial, hoje com 14 escolas, e os Grupos de Acesso, que são como as divisões do futebol. A mais importante é a Série A, que reúne as escolas de samba que desfilam na Sapucaí na sexta e sábado de Carnaval. O vencedor desta disputa sobe para o Especial no ano seguinte. A Série A em 2019 terá 13 integrantes.

As demais escolas de samba do Rio estão distribuídas entre os Grupos de Acesso B, C, D e E. Todos eles desfilam na Estrada Intendente Magalhães, em Campinho, próximo de Oswaldo Cruz e Madureira. A Série D se apresenta no domingo, a C na segunda e a B na terça-feira de Carnaval. A vencedora da Série B ganha o passaporte para desfilar no Sambódromo no ano seguinte pela Série A! Em 2019, essa honra coube à Unidos da Ponte, que já esteve no desfile principal.

Assim como a Ponte, outras escolas que já desfilaram na Sapucaí, algumas até na elite, passaram dificuldades e acabaram sendo rebaixadas. Exemplos célebres são a Caprichosos de Pilares, escola simpática que frequentou o Especial até meados da década passada. Em 2016 ainda desfilava na Série A e neste Carnaval pode até não se apresentar na Série D. Outro exemplo é a Tradição, dissidência da Portela, que já foi uma incômoda pedra no sapato da Águia. Há ainda escolas tradicionais como a Unidos de Lucas, Unidos do Jacarezinho e Cabuçu, todas já fizeram parte da elite.

Desfile da União de Vaz Lobo em 2011 na Intendente Magalhães

As agremiações da Série E, desde 2015, só se apresentam no sábado seguinte ao Carnaval, uma fórmula encontrada para conseguir acomodar todo mundo na Intendente. Ele funciona como uma espécie de grupo de avaliação e em 2019, por causa da falta de verba, ficou por conta da ACAS. As escolas de samba que terminam nas últimas posições ficam suspensas pelo prazo de dois anos e quem não desfila fica 5 anos sem se apresentar. Em 2018, essa punição foi aplicada para uma escola pequena mas bastante tradicional, chamada União de Vaz Lobo, que não conseguiu desfilar pelo segundo ano consecutivo.

O carnaval da Intendente não tem musas famosas, não tem mega-arquibacandas nem holofotes da imprensa internacional. Mas ali é um criadouro de talentos. Ou alguém acha que um artista iniciante e talentoso que quer trabalhar com carnaval começa fazendo enredo na Mangueira, na Portela ou no Salgueiro? Muitos carnavalescos talentosos da nova geração começaram nos grupos de acesso, assim como diretores de bateria, mestre-salas, porta-bandeiras, etc.

Quer exemplos? Paulo Barros, antes de ser o mago das alegorias vivas, como o carro do DNA, fez Carnaval na Vizinha Faladeira, no que hoje é a Série B. Antes de ter seu passe comprado pela Unidos da Tijuca em 2004, havia feito um belo desfile sobre o pintor Cândito Portinari na Paraíso do Tutiuti, na Série A.

Aquela que é considerada a porta-bandeira mais famosa da história, Vilma Nascimento, da Portela, mais conhecida como Cisne da Passarela, começou nessa mesma União de Vaz de Lobo da qual falamos há pouco. Aliás, sabe quem também começou por lá?! Zé Kéti.

Recentemente a imprensa noticiou que esse ano haverá uma mulher como diretora de bateria no Carnaval. Na Vila Isabel? Na Ilha? Na Imperatriz? Nada disso. Numa escola chamada Feitiço Do Rio, que vai desfilar na Série E. De família de sambistas, Thaís Rodrigues, segundo o jornal, toca surdo na Unidos da Tijuca, é diretora do instrumento na bateria da Rocinha, que disputa a Série A, e vai comandar os 100 ritimistas na Intendente.

Em 2018, toda a estrutura da Intendente Magalhães e suas escolas, que pode ser chamada de celeiro do samba, foram bancadas pelo patrocínio do Uber. Para 2019, só conseguiram captar R$ 500 mil com a Booking.com, via leis de incentivo. A Prefeitura, assim como faz com a Sapucaí, não dá a menor bola para esse evento importante e todo o seu discurso é um cínico morde-e-assopra. Mas os dirigentes da Liesb garantem: vai ter desfile de qualquer jeito! O samba agoniza, mas não morre.

Ouça os sambas do Grupo de Acesso B, o principal desfile da Intendente.

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Fotos: WikiCommons

17 de jan de 2019

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