Enredo da Beija-Flor é manifesto contundente contra a exclusão

Depois do resultado pra lá de discreto em 2017, a Beija-Flor fez mudanças na sua comissão de carnaval. Havia expectativa de que o enredo da escola fosse celebrar o aniversário de 70 anos de fundação, mas a azul e branco de Nilópolis resolveu ir mais longe. Em crítica aberta à polêmica com a Prefeitura que cortou as verbas sem aviso prévio, escolheu o enredo Monstro é Aquele Que Não Sabe Amar – Os filhos abandonados da Pátria que os pariu.

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A sinopse da escola é um libelo contra a discriminação social, cultural, racial, religiosa e se junta aos enredos de Portela, Mangueira e Tuiuti entre os mais críticos do ano. Ele parte da história do monstro do Dr. Frankstein, “o ser criado em laboratório a partir de pedaços de gente costurados rusticamente” que não foi reconhecido como semelhante por ter aparência anormal e foi renegado até pelo próprio “pai”. O romance de Mary Shelley está completando 200 anos.

A partir desta rejeição eternizada pela obra ficcional, a intenção da escola é criticar todo o modelo do Brasil, calcado na exclusão social, política e na discriminação religiosa, apesar do caráter extremamente multicultural do nosso país. Neste sentido é ainda mais profundo que o histórico Ratos e Urubus, Rasguem a Minha Fantasia, de 1989. O desfile ficou conhecido pelo abre-alas, um Cristo-Mendigo, que foi proibido de desfilar, mas passou pela Sapucaí coberto em plástico preto e com a frase “mesmo proibido, olhai por nós”.

A apresentação do enredo na quadra da Beija-Flor teve direito a representação teatral, mostrando todas as pessoas afetadas pela corrupção, pela violência, pela discriminação, da arrogância, dos abandonados. O problema é só deles? Ou é da sociedade que tanto exclui? Monstro é só quem é feio? Ou quem é incapaz de ter empatia pelo próximo?

Assista a um trecho da encenação na quadra da Beija Flor:

A idéia do enredo foi do coreógrafo da Comissão de Frente, Macelo Missalidis e tem a virtude de resgatar a crítica social que andava sumida e, quando aparecia, era bastante discreta, quase inócua. A sinopse é praticamente um libelo contra a exclusão, afinal os monstros são as criaturas ou os criadores?

O texto é forte e bem escrito, mas basicamente inspiracional, não permite entender claramente como será desenvolvido em setores e alas, como será a narrativa. Segundo Cid Carvalho, carnavalesco que volta a integrar a comissão de carnaval da escola, a ideia é mesmo ir construindo aos poucos, selecionar no meio de tema tão amplo, aqueles que querem ter a voz ouvida.  E ficam os questionamentos na sinopse: “Será que há salvação? Será que no final do túnel haverá luz? Ou será que carregaremos eternamente essa cruz?”

Ele também tentou amenizar a crítica a Crivella, ao afirmar que não é só no Rio que um bispo é o representante do povo. Mas a referência é óbvia, sobretudo ao embate entre evangélicos neopentecostais e o povo do samba, criticados por suas ligações com as religiões de matriz africana.

A Beija-Flor tem em potencial um grande enredo para 2018 e o final do texto da sinopse é muito bom:

Que nesse arrastão de alegria, as drags e meretrizes encontrem um amor de carnaval; o velho arlequim nunca desista de beijar a colombina; o malandro continue caindo de paixão pela sedutora cabrocha e o pierrot, levante a cabeça, dê a volta por cima e, dance apaixonado com a passista formosa. Porque o samba é o palco mais democrático da nossa cultura popular e une irmãos de todos os cantos e bandeiras, festejando as diferenças e celebrando a paz sob um céu azul e branco.

Mas, se ainda assim você nos descrimina e não entende o nosso jeito de ser feliz, não nos leve a mal, o monstro é você!

Largue o nosso carnaval!

Assista ao histórico desfile da Beija-Flor em 1989 que deu origem ao enredo atual, considerado por muitos um dos maiores da história do carnaval.

 

 

 

04 de ago de 2017

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