Beija-Flor reconta a história de Iracema e nossas origens indígenas

A divulgação do tema e depois da sinopse do enredo é um momento solene nas escolas de samba. Ali as pessoas que desfilam e/ou frequentam a quadra vão começar a construir um imaginário que vai alimentar seus sonhos por meses até se chegar à concentração do Sambódromo. Daí a importância de agradar, de convencer os integrantes.

Pela força que tem, o mundo do samba sempre aguarda ansioso a escolha da Beija-Flor, a maior vencedora do carnaval na era do Sambódromo. Esse ano, a especulação de que o enredo poderia ser Ronaldo Fenômeno sofreu forte rejeição dos nilopolitanos. A hipótese foi desementida, outras ideias levadas em conta, em função de patrocínio. Mas desde que a possibilidade escolhida foi ventilada, virou amor à primeira vista. Certamente a crise colaborou. Fato é que a voz do povo acabou prevalecendo.

Segundo a escola, A Virgem dos Lábios de Mel – Iracema é uma lenda sobre a qual está fundado o estado do Ceará e, mais do que isso, simbolizaria a formação do povo brasileiro, ressaltando nossa essência indígena.

O enredo está fundado no romance Iracema – Lenda do Ceará, do escritor cearense José de Alencar. De 1865, ele personificou na virgem consagrada a Tupã e no português Martim Soares Moreno os tantos encontros do gênero que a colonização permitiu a partir do século XVI. É uma história de amor entra a índia casta “dos lábios de mel” com o conquistador branco. Desse amor puro, nasceria o primeiro mameluco, o brasileiro. E tem spoiler: ela morre depois de dar à luz.

No contexto de uma história lírica, romântica, um poema em prosa, a Beija-Flor tem oportunidade de falar das nossas raízes ancestrais, a tragédia que a colonização representou para a população nativa, tendo como cenário as paisagens cearenses tanto à beira mar como as matas tropicais da serra no interior.

Como convém a um bom enredo, a azul e branca marca a ligação entre os índios, seus ritmos e festas e o carnaval. A tribo Beija-Flor guerreira pisará na Sapucaí para defender o legado dos nossos ancestrais e a memória de Iracema que é um anagrama do nosso Continente, a América.

O fato de se apoiar na narrativa do livro, torna o desenvolvimento bastante claro: o mundo natural e suas crenças, a chegada do homem branco, o romance, a morte de Iracema e a realização da profecia que se abateria sobre os índios, terminando na carnavalização do tema.

Ainda que a sinopse seja mais poética que descritiva, a competência da comissão de carnaval é garantia de que se tem um belo tema nas mãos, afastando polêmicas como a vivida em 2015 na homenagem à Guiné Equatorial. Com seus torcedores e integrantes felizes, a Beija-Flor é ainda mais forte e está disposta a quebrar a escrita de nunca ter vencido o carnaval desfilando domingo.

LEIA A ÍNTEGRA DA SINOPSE DA BEIJA-FLOR

A Beija-Flor não só é a escola com mais títulos no Sambódromo, oito, como é a que mais chegou em segundo lugar, nada menos que dez vezes. Alguns desses são bastante doídos para a escola. Sem contar o histórico desfile do Cristo proibido, em que homenageou os pobres e desfavorecidos, uma das derrotas atravessadas na garganta dos nilopolitanos ocorreu em 2001. A azul e branca foi a última a desfilar no domingo e contou a saga de Agotime, uma princesa negra trazida como escrava para o Brasil. Samba lindo, apresentação memorável que perdeu por 0,5 ponto para a Imperatriz de Rosa Magalhães.

 

24 de jun de 2016

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