Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu

Por Marcelo Hargreaves

 

Alvorada lá no morro/Que beleza/ Ninguém chora/ Não há tristeza/ Ninguém sente dissabor… (Trecho da canção “Alvorada”, de Cartola)

O morro da Mangueira não foi o primeiro do Rio a ser ocupado pelos negros forros. Mas Cartola o tornou o mais célebre de todos ao convencer o pessoal de alguns cordões que saíam no Buraco Quente, perto do Maracanã, a fundar uma agremiação carnavalesca mais organizada: o Bloco Estação Primeira, em 28 de abril de 1928.

Mangueira era a primeira estação da linha férrea depois da Central do Brasil onde havia uma comunidade de samba. Nascia assim a Estação Primeira de Mangueira. As cores verde e rosa são homenagem aos Arrepiados (de Laranjeiras), outro tipo de manifestação carnavalesca, o rancho.

Foi a Mangueira que inventou a ala de compositores. E que ala: Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho. Participou do primeiro concurso de sambistas, em 1929, e venceu o primeiro desfile, que ocorreria em 1932.

Depois da Portela, é a escola mais vitoriosa. Com o título de 2016, já são 18. Teve o lendário intérprete Jamelão, que se recusava a ser chamado de puxador de samba. Puxador, segundo ele, era ladrão de carro. Foi o microfone da escola de 1949 até 2006.

Mangueira é paixão, é poesia, é emoção derramada. Como a do carnaval de 1962. A escola escolheu naquele ano o enredo “Casa Grande e Senzala”, baseado na obra homômina do sociólogo e historiador Gilberto Freyre, sobre as origens do povo brasileiro. O desfile foi um sucesso de crítica e público. Na hora da apuração, a jurada Ana Letycia castigou nas notas sob o argumento de que verde e rosa eram cores que não combinavam. A Mangueira ficou em quarto lugar e acentuou então sua opção pela mais carnavalesca combinação cromática.

Outro momento histórico ocorreu em 1984, na inauguração do Sambódromo. A Mangueira foi a última a desfilar na segunda. As demais tinham se enrolado com uma invenção sem sentido, a Praça da Apoteose, onde as agremiações desembocavam no final do desfile e deveriam fazer um “show”. A verde e rosa simplesmente ignorou a proposta, deu meia-volta  na praça e desfilou na contra-mão, com o povo enlouquecido atrás. Foi campeã. Algum tempo depois a “praça” foi reincorporada ao cortejo natural. Veja este video a partir do minuto 34:

 

 

A seguir uma lista de sambas famosos da grande Mangueira, que ganhou a deferência especial em seu aniversário de 88 anos: O Cristo  Redentor se pintou em verde e rosa.

 

5. Cântico à Natureza, 1955 – Samba clássico, considerado um dos mais bonitos da história, composto por Alfredo Português, Nelson Sargento e Jamelão. Nesse ano, a Mangueira ficou em segundo lugar.

 

4. Casa Grande e Senzala, 1962 – A verde e rosa fez o desfile mais popular do ano e nunca se conformou em ter perdido o carnaval exatamente por um dos fatos de que mais se orgulha, suas cores.

 

3. Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia Tem e a Mangueira também, 1986 – Parecia que a Beija-Flor ia levar de barbada após um desfile épico sobre futebol com águas pelas canelas debaixo de um temporal. Aí veio a Mangueira, pobre, kitsch, mas com um samba que arrebatou a Sapucaí, sagrando-se campeã. No minute 18, aparece o próprio homenageado.

 

2. Chico Buarque da Mangueira, 1998 – A escola amargava jejum de 10 anos sem vitória. A escolha do enredo gerou uma mobilização de empresários e do próprio Chico que transformou a Mangueira no evento do carnaval. Na Sapucaí, foi uma explosão só. Não deu outra. Campeã de novo.

 

1. Brasil com Z é pra cabra da peste, 2002 – Penúltimo título da Mangueira, a verde-e-rosa homenageou o nordeste e o nordestino. O desfile cativou o público desde a comissão de frente com o casamento de Maria Bonita e Lampião.

 

27 de abr de 2016

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