Apesar da crise vai ter Carnaval; mas já deixou de ter alguma vez?

Saiu esta semana uma notícia de que a Beija-Flor de Nilópolis, uma das potências do Carnaval do Rio estava convocando torcedores para um mutirão no ateliê de fantasias para conseguir dar conta de aprontar o desfile de 2018. Falta de dinheiro, autoridades hostis, patrocínios privados que desistem de financiar o enredo: parece que as escolas de samba estão no inferno astral. Tem gente que pensa: afinal, vai ter Carnaval? E alguma vez deixou de ter?

Vamos desde já tranquilizar a todos: a resposta é nunca! Desde que o jornal de Mário Filho O Mundo Sportivo teve a ideia de organizar um concurso de escolas de samba, em 1932, até hoje nunca passamos um carnaval sem desfile. Mas houve muitos acidentes de percurso que valem ser citados até para entendermos que o Poder Público, apesar de desde cedo se beneficiar da festa, não tem uma relação fácil com o samba.

O primeiro risco corrido pelas escolas foi logo no início. O jornal de Mário Filho organizou o concurso de 1932 e fechou as portas ao longo do ano. Poderia ter sido um evento único, mas o sucesso foi tamanho que o jornal O Globo resolveu assumir a organização nos anos seguintes. O comparecimento de público na Praça Onze foi tanto que a Prefeitura resolveu assumir a organização a partir de 1935, fazendo com que as escolas ganhassem o status de evento oficial.

A velha Praça Onze, primeiro local dos desfiles:

Mas o convívio com a polícia não era fácil. Os sambistas tinham dificuldade de ensaiar, tanto que Paulo da Portela reunia seus companheiros de Portela no trajeto entre Madureira e a Central do Brasil para ensaiar. O fato acabou sendo revivido décadas depois pelo compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, no evento que se chama Trem do samba.

Em 1940, houve uma briga que feriu uma passista e a polícia tentou proibir as escolas de samba de funcionar colocando a realização do desfile em dúvida. Os protestos foram fortes e envolveram inclusive uma celebridade da época, o cantor Franscisco Alves. A reação fez a polícia voltar atrás, possibilitando as escolas de desfilarem normalmente no carnaval.

As diversas crises políticas do Brasil também não impediram os desfiles. O golpe do Estado Novo em novembro do ano anterior não impediu o desfile de 1938. Durante a Segunda Guerra, ranchos e Grandes Sociedades suspenderam as atividades, mas as escolas de samba seguiram desfilando. A crise política que levaria ao golpe de 1964 também não prejudicou a apresentação das escolas. A forte inflação em 1986 não freiou o desfile e nem o confisco da poupança dos brasileiros feito por Collor em 1990.

Bateria do Império Serrano nos anos 1950:

Mas a política causou seus estragos. Em 1948, o Império Serrano, em seu desfile de estreia, derrotou as tradicionais Portela e Mangueira, que não gostaram nada do feito e acusaram a Federação das Escolas de Samba de ter favorecido a verde e branco. Junte-se isso às diferenças ideológico-partidárias, sambistas ligados ao Partido Comunista fundaram outra entidade de escolas de samba. Entre 1949 e 1951 houve dois desfiles. O oficial, da Prefeitura, organizado pela direita, e o organizado pela esquerda, do qual participavam Mangueira e Portela.

Com o Partidão posto na ilegalidade, as escolas refundiram as associações. A expectativa dos admiradores das escolas de samba era a volta do confronto entre Portela, Mangueira e Império Serrano no carnaval de 1952.

Ao longo da história, o maior inimigo das escolas foi a chuva. No ano de 1952, com toda a expectativa que cercava o reencontro entre as 3 grandes do Carnaval de então, caiu um temporal e o júri foi embora antes do desfile do Império, que pediu a suspensão do julgamento e foi atendido. O grande confronto só seria realizado no ano seguinte e vencido pela Portela.  No ano de 1938, a chuva havia impedido a comissão julgadora de sequer chegar à Praça Onze, o que também causou a suspensão do julgamento. Nos dois anos, houve desfile.

Em 1966, o Rio foi sacudido por fortíssimas chuvas dias antes do reinado de Momo. Havia clima pra Carnaval? As autoridades mantiveram a festa, mas houve uma nota triste: o Império da Tijuca teve seu barracão totalmente destruído por um deslizamento. Foi representado apenas por um grupo de sambistas, sem cantar ou tocar. Em 1988, chuvas fortes fizeram as autoridades cancelarem o desfile das campeãs.

Desfile sem bateria em 1995:

O drama sofrido pelo Imperinho em 1966 não foi solitário. Outras escolas sofreram com dificuldades econômicas, brigas internas, etc. Por conta disso, houve alguns desfiles melancólicos. Como o da Canários da Laranjeiras, em 1995. Por erro da administração, as fantasias da bateria não ficaram prontas. Os ritmistas se recusaram a desfilar e a escola passou apenas com um surdo de marcação emprestado por uma co-irmã. Em 2011, Portela, Grande Rio e União da Ilha não foram julgadas. Isso porque um incêndio atingiu o barracão das três na Cidade do Samba, poucas semanas antes do Carnaval. As três desfilaram do jeito que deu, mas se apresentaram de qualquer forma.

Reportagem do Jornal da Globo da época sobre o incêndio:

Fogo, chuva, fantasias que não chegam, carros que quebram, são muitos os percalços que enfrentam as escolas quando o período pré-carnaval é conturbado. Mas as pessoas que fazem as escolas amam o que fazem. Por isso, quando a sirene toca, anunciando o início do desfile, a escola está formada e aqueles cerca de 60 minutos acontecem de um jeito ou de outro. Pode nem sempre dar certo. Vários desfiles de escolas que se preparam mal naufragam em plena avenida. O importante é: com ou sem fantasia, o show tem que continuar.

12 de jan de 2018

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