Dois quesitos que representam a raiz das escolas de samba

 

Se a maioria dos quesitos em julgamento no carnaval dependem do conjunto da escola ou de um grande número de pessoas, dois deles são quase “individuais”, o que pesa a responsabilidade, sobretudo pela visibilidade e importância das funções: a comissão de frente e o casal de mestre-sala e porta-bandeira.

As comissões de frente existiam antes das escolas de samba, nas organizações carnavalescas conhecidas como Grandes Sociedades. A Portela foi a primeira escola de samba a organizar a ala, chamada então de “comissão de destaques”, formada por pessoas mais velhas, sem pique pra dançar, entre eles fundadores da escola. A missão era saudar o público e apresentar a agremiação que iniciava o desfile. O quesito foi regulamentada em 1938, tornando-se obrigatório.

Além de pioneira, a Portela foi quem utilizou a “velha guarda” por mais tempo na função – até 1993. A partir do ano seguinte, seguiu as demais escolas, que haviam optado por fantasiar e coreografar a ala. Ficaram famosas a comissão de astronautas da Mocidade em 1985 com o enredo Ziriguidum 2001, uma Odisseia no Espaço e a de mulheres grávidas da Vila Isabel para o enredo Direito é Direito, de 1989. Com o tempo, as coreografias se sofisticaram muito e as comissões passaram a ser criticadas por fazerem apresentações longas demais, atrasando a evolução da escola. Bailarinos como Carlinhos de Jesus assinaram comissões memoráveis como a da Mangueira sobre o Século do Samba, que trazia sósias de sambistas históricos de todas as escolas. Atualmente, as comissões podem se apresentar em cima de um elemento alegórico, que vem antes do abre-alas.

A tradicional Comissão de Frente da Portela trazendo a Velha Guarda em 1981:

 

A comissão histórica da Mocidade, com escafandristas no fundo do mar, 1991.

 

E a inacreditável performance da Unidos da Tijuca em 2010:

 

A comissão de frente é julgada em dois subquesitos: um deles a concepção da roupa (fantasia não é obrigatória), que vale de 4,5 a 5,0. Os jurados avaliam qual a capacidade de a comissão causar impacto no público com a roupa e se ela é adequada à proposta. Essa ressalva praticamente invalida a ideia de uma comissão não vir fantasiada. O resto da nota se concentra na apresentação: se ela cumpriu a função de saudar o público além da coordenação, criatividade e sincronismo dos movimentos (leia-se coreografia). A apresentação na frente da cabine de jurados é obrigatória. Se algum integrante tropeçar, cair ou perder um pedaço da fantasia nesse momento, a escola deve ser penalizada.

O casal de mestre-sala e porta-bandeira também tem sua origem em outras organizações carnavalescas. Ranchos e blocos tinham porta-estandartes. Havia no início do século uma rixa entre as agremiações e, não raro, integrantes de outro rancho roubavam o estandarte adversário. Um homem passou a proteger a porta-estandarte. Daí surgiu a poética da dança do casal. O mestre-sala cortejando e, ao mesmo tempo, zelando pela bandeira que ela carrega.

O casal virou um item de avaliação do concurso das escolas de samba já em 1938, segundo o site Portela Web. Naquela época, só a fantasia era levada em consideração. A dança foi incorporada ao julgamento em 1958.

Atualmente, o casal pode receber notas de 9,0 a 10 com intervalos de 1 décimo. Os jurados avaliam dois itens, embora não em subquesitos como no caso da Comissão de Frente. Eles precisam conferir se a fantasia do casal é adequada à dança, sua beleza e bom gosto. Se um deles perder parte da fantasia durante o desfile (um sapato, um resplendor, um chapéu), o casal é penalizado.

O outro aspecto analisado é a dança, com uma distinção importante. O casal não samba, baila em ritmo de samba, o que é diferente. Os movimentos são próprios apenas da dupla: meneios, mesuras, meia-voltas.

O mestre-sala deve cortejar a porta-bandeira, proteger e apresentar a bandeira da escola ao público, sempre com elegância. À porta-bandeira cabe a óbvia função de carregar o símbolo maior da escola e apresentá-lo sempre desfraldado. A bandeira não pode nunca enrolar sob seu próprio mastro nem ser entregue ao mestre-sala. Os movimentos devem ter graça, leveza e serem coordenados, demonstrando o entrosamento. Se o mestre-sala dançar pra um lado e se esquecer da parceira, a escola perde pontos. Assim como se a bandeira tocar o rosto dele. Este ano o casal da Portela perdeu décimos preciosos porque dois jurados entenderam que a pista molhada pela comissão de frente tornou a dança deles mais “insegura”.

Ao longo da história, houve mais porta-bandeiras famosas que mestre-salas. Vilma Nascimento, da Portela, recebeu o apelido de “Cisne da Passarela”, por ser sempre nota 10. Outra lendária é Neide Santana, da Mangueira. Maria Helena e seu filho Chiquinho foram o casal nota 10 durante muitos anos na Imperatriz. A mais famosa hoje é Selminha Sorriso, da Beija-Flor. O primeiro mestre-sala da história foi Acelino dos Santos, mais conhecido como Bicho Novo. Desfilou a primeira vez na função em 1925 e foi fundador da Unidos de São Carlos, hoje Estácio de Sá, escola do bairro onde surgiu o próprio termo “escola de samba”.  Outro “protetor” famoso foi Delegado, da Mangueira.

 

Mestre Delegado da Mangueira:

 

Selminha Sorriso, da Beija-Flor:

 

 

06 de jan de 2017
1 COMENTÁRIO
  1. Matéria maravilhosa, parabéns,amei !

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