O dia em que a Sapucaí desfilou contra a correnteza

Um dos clichês preferidos a respeito do Brasil é o de que somos o país do futebol e do samba. A união de ambos no carnaval do Rio nunca deu muito certo. Exceto em um caso. O ano era 1986, o terceiro da Passarela do Samba. Até então, as grandes escolas citavam times e a seleção pontualmente, em alas ou carros, mas nunca o futebol fora o centro do enredo.

O Mundo É Uma Bola foi uma criação do brilhante Joãosinho Trinta, aproveitando o clima que antecedia a Copa do Mundo do México. Ele imaginou que a Terra fosse uma bola de futebol e o universo o campo onde ela estaria rolando. A metáfora serviu para justificar uma grande volta aos quatro cantos do planeta em busca de contar as origens do futebol.

Se hoje o conhecemos como o esporte bretão, a Beija-Flor foi procurar suas origens entre os chineses, os indígenas, no Afeganistão e, claro, entre os astecas, que disputavam uma versão assemelhada com o crânio dos inimigos.

O abre-alas era uma enorme bola de futebol exatamente igual a que seria usada meses depois nos campos mexicanos. Tanto que o presidente da Fifa na época, o recém-falecido João Havelange, pediu pra levar o abre-alas para a festa de abertura da Copa.

O início do desfile parecia entrada de times no Maracanã. Muito foguetório e o público balançando bandeiras dos clubes ao som de um samba que, se não era fenomenal, tinha um refrão muito popular: “Tudo em cima novamente, sobrevoando a passarela, que beleza a Beija-Flor, sacudindo esta galera”.

Foi aí que desabou. Não uma chuva, um temporal de proporções bíblicas. Caía tanta água que era possível ouvir o som dos pingos de chuva nos chapéus das fantasias e nos carros alegóricos. Cerca de 15 minutos daquele dilúvio e a pista da Sapucaí foi progressivamente deixando de ser “avenida” e virando um córrego. As baianas tinham de levantar as saias para não tropeçar. Os sambistas passavam com água pelas canelas.

As fantasias muito ricas não sofreram tanto, exceto pelas plumas que murcharam. A bateria também sofreu um pouco, porque nem todos os instrumentos eram de náilon e, molhados, os naipes que eram de couro ficaram com afinação prejudicada.

Apesar da adversidade, a escola não se fez de rogada. Cantou muito, ajudada pelas arquibancadas, enlouquecidas por verem seus clubes representados em fantasias e alegorias. Teve espaço também para o bom humor, como o carro dedicado à superstição no futebol e a famosa frase de João Saldanha: “se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado”. Aliás podia dizer isso pro jornalista do Le Monde que acha que macumba ganha salto com vara.

Essa apresentação da Beija-Flor lembrou muito aqueles times que, em situação difícil, se enchem de brios e conseguem uma vitória. Um daqueles desfiles que entram para a história do carnaval mesmo sem terem sido campeões. Naquele ano, a única pedra no sapato da azul e branco de Nilópolis seria a Mangueira e seu irresistível samba sobre Dorival Caymmi. Mas essa é outra história…

Assista ao desfile da Beija-Flor em 1986:

18 de ago de 2016
1 COMENTÁRIO
  1. Eu desfilou neste carnaval com minha esposa na Ala do América,da irmã do
    foi ver o saudoso Joãozinho trinta a frente gritando que eram os Deuses saudando a Beija flor.

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