Mocidade repete a fórmula e vai mostrar o que Índia e Brasil têm em comum
Há um oceano de diferença no clima que vive a Mocidade na preparação para o Carnaval 2018 em relação ao que passou. E podia ser diferente? Afinal, a escola brilhou como há muito não fazia, teve a comissão de frente mais badalada e, polêmica à parte, foi uma das campeãs, quebrando o incômodo jejum de 21 anos.
Já em meados do ano passado o clima era tenso. A proposta de enredo sobre o Marrocos era vista com desconfiança pelos segmentos da escola, especialmente depois da sinopse macarrônica, que misturava elementos de lendas árabes e hindus e parecia bastante frágil, conforme este blog ressaltou na época. Aí veio o samba, com uma poesia muito bem bolada e modificou a proposta do enredo, dando mais ênfase ao congraçamento entre as duas terras do que à viagem turística. “Alá foi conhecer Xangô” e o resto virou festa.
Reveja trechos da apresentação da Mocidade no Carnaval 2017:
https://www.youtube.com/watch?v=IJN_S7lKIIg&t=739s
Pois a Mocidade resolveu repetir a fórmula que deu certo, desta vez voltando-se para a Índia: Namastê, A Estrela que Habita em Mim Saúde a Estrela que Habita em Você. Assim como no enredo campeão, a verde e branco vai mostrar as afinidades e contribuições que a Índia legou ao Brasil. A sinopse foi escrita por Fábio Fabato, jornalista e organizador de uma série de livros sobre escolas de samba e independente fanático. O desenvolvimento será de Alexandre Louzada.
A história parte dos três deuses hindus, Brahma, Vishnu e Shiva, colocados como início, meio e fim da criação. São eles que virão no abre-alas e autorizam o rufar dos tambores e o fluir do desfile pela avenida.
Recorrendo à fábula de que os portugueses teriam descoberto o Brasil ao errarem o caminho para as Índias, o enredo encontra o pretexto pra unir as duas terras, sobretudo porque os colonizadores cismaram de chamar nossos povos nativos de “indios”. Este primeiro setor compara as histórias de guerras e sagas de lá com as lendas e o gosto de nosso povo ancestral pelos astros.
O segundo setor vai para o Brasil Colônia que ganha a doce cultura da cana que justificou em nossa terra a escravidão de índios primeiro e negros depois como mão de obra, origem de uma desigualdade social ainda não superada. Esse Brasil colonial do sofrimento também era o da elite que usava sedas, perfumava-se com sândalo e colônias, das sinhás que andavam em liteiras como as elites hindus.
Dos olores aos sabores, a Índia também nos deu especiarias como o gengibre, o cravo e a canela (deixa para a Gabriela, personagem de Jorge Amado), a banana de Carmen Miranda, o coqueiro que dá coco de Ary Barroso. E também três contribuições simbólicas para o mundo do samba. As mangueiras que deram nome à escola verde e rosa, as jaqueiras (e o Corta-Jaca, dança do tempo de Chiquinha Gonzaga), debaixo de uma das quais nasceu a Portela, e a tamarineira, árvore seminal da própria Mocidade.
A brincadeira de ligar elementos de lá com cá segue para a importação de uma raça de gado, o Zebu, animal sagrado para os hindus e que aqui se adaptou não só à agropecuária como à cultura, representada tanto nos modelos de barro feitos por mestre Vitalino como nas danças de boi-bumbá Brasil afora.
A Mocidade, reconhecida como palco deste encontro de culturas, sendo independente desde o batismo, identifica-se com a resistência pacífica de Mahatma Gandhi, que aqui virou Afoxé na Bahia e inspiração para tantos mensageiros da luz locais como dom Hélder Câmara, Chico Xavier, Mãe Menininha, Chico Mendes ou Betinho. Finalmente, o Rio Ganges sagrado dos indianos desagua na baía de Guanabra e no Rio de Janeiro.
O texto é uma explosão de ideias (leia aqui a sinopse completa), nem todas descritas de forma organizada, mas o percurso é claro. Fazer as associações entre as duas terras, dizendo o que e como foi assimilado pela cultura brasileira. A Índia é um universo muito maior e mais rico que o Marrocos, daí as chances estéticas são imensas.
No sorteio, a Mocidade acabou indo para o desfile de domingo, mas teve a sorte do estranho favorecimento ao Tuiuti, que fora pré-determinado como a última a desfilar do primeiro dia. Na hora das trocas, a verde e branco pediu e teve seu pleito atendido. Vale lembrar que, antes do confuso Carnaval 2017, o último título da Mocidade foi obtido com um desfile sob luz clara fechando o domingo.
Relembre o título de 1996 da Mocidade:
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