Mangueira critica prefeito e exalta o lado popular do Carnaval

Depois de muita especulação surgiu o enredo da Mangueira para 2018: uma espécie de metalinguagem da folia. Com Dinheiro ou Sem Dinheiro, Eu Brinco aproveita a desleal política do bispo-prefeito de cortar sem aviso a verba destinada às escolas de samba do Grupo Especial e, ao mesmo tempo, faz uma auto-crítica sobre a elitização das próprias escolas de samba.

A sinopse é assinada por Leandro Vieira, o celebrado carnavalesco que tirou a verde e rosa da fila logo em sua estreia na escola ano passado. Muito bem escrito, o texto aborda o tema com delicadeza poética, longe do estilo sarcástico dos clássicos enredos da Caprichosos de Pilares de Luiz Fernando Reis, o que, para mim, é um pouco frustrante, fã que sou de um enfrentamento mais contundente.

Veja um trecho de um dos desfiles críticos da Caprichosos. Em 1987, a escola fazia seus pedidos à Assembleia Nacional Constituinte que fazia a Carta de 1988:


Recheado de citações de trechos de sambas que fizeram sucesso, o enredo é uma ode ao Carnaval em sua mais pura acepção, uma festa popular que celebra a cultura brasileira. Começa com uma canção do Grupo Fundo de Quintal que lembra o quanto o samba já foi discriminado. “Este samba é pra você/ Que vive a falar, a criticar / Querendo esnobar, querendo acabar/ Com a nossa cultura popular (…)

A sinopse inicia a narração ainda no século 19, com referências às “batalhas”de limão de cheiro, ao bumbo do Zé Pereira, uma espécie de precursor dos blocos. Em seguida, lembra da estreita relação entre samba e bar, festa, pagode.

Dos botequins para as ruas, o enredo reverencia Ismael Silva e grandes bambas do passado envolvidos no bloco dos Arengueiros, origem da Mangueira, e os baluartes da Vai Como Pode, que virou Portela em 1935.  Lembra que, nas origens, as escolas pertenciam ao povo pobre. “A grade é uma corda velha e frouxa; à guisa de enfeite uma lata d’água na cabeça…” – referência à Maria Lata D’Água, passista histórica da azul e branco.

Com a deixa, a sinopse vai aos desfiles na Presidente Vargas (o que aconteceu, com interrupções, até 1977) e um de seus maiores ícones, Fernando Pamplona, carnavalesco do Salgueiro que revolucionou a estética e a temática. Já na Sapucaí, o enredo faz referência ao mais marcante desfile de um dos herdeiros de Pamplona, Joãosinho Trinta: os Ratos e Urubus da Beija-Flor, de 1989, com sua ala de mendigos lembrando o quanto o país se equilibra entre o luxo e o lixo.

Veja um trecho do desfile de Ratos e Urubus, da Beija-Flor:

O texto trata então da fissura entre rua e avenida e convida o povo a voltar pra Sapucaí. Uma Mangueira irmanada com o Bola Preta, o Cacique de Ramos, o Bafo da Onça e outras bandeiras de tantos blocos e bandas: todos juntos em um “baile a céu aberto, de foliões que pintam e bordam, deitam e rolam. A mensagem: é pela bênção popular que viria a redenção para as escolas: “é o povo quem produz o show e assina a direção” – trecho de outro pagode famoso.

Leandro sabe lidar muito bem com a comunicação nesta era de redes sociais. Um dia antes de anunciar o enredo oficial, a mídia ventilou que a Mangueira queria fazer uma homenagem ao pintor Hélio Oiticica e teria recebido autorização para captar R$ 7 milhões, mas não conseguiu interessados na iniciativa privada que tantos exigem seja o único caminho para as escolas.

A proposta lançada mata dois problemas de uma vez: é um libelo contra a ação do prefeito que esnoba um evento que rende prestígio e renda à cidade e, ao mesmo tempo, justifica uma eventual penúria visual se faltarem recursos.

Que Leandro é criativo e sabe tirar leite de pedra não há dúvida. O tema, ainda que longe do tom mordaz, vai chamar a atenção. Pela sinopse, não se percebe tão claramente o encadeamento do desfile e o carnavalesco já mandou um recado aos compositores: pede soluções não convencionais para o samba, que eles se reinventem também.

O presidente da escola, Chiquinho da Mangueira, afirma que o enredo é uma tentativa de aproximar o povo do Carnaval que ficou muito elitizado. O diagnóstico é óbvio, mas os meios de se chegar nisso são contraditórios, visto que foi o próprio Chiquinho que ventilou no início da semana a ideia em gestação na Liesa de suspender os ensaios técnicos, justamente o momento de maior proximidade das escolas com suas torcidas apaixonadas.

14 de jul de 2017

COMENTÁRIOS