Imperatriz foi a homenagem do povo ao bicentenário do Museu Nacional
https://www.youtube.com/watch?v=kFU0vudBJ0c&t=2768s
Enquanto via as cenas tétricas de milhares de anos de história sendo torradas pelas chamas que lamberam o Museu Nacional, só conseguia lembrar do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense no Carnaval 2018. A verde e branco de Ramos foi provavelmente a mais ilustre homenagem que a instituição recebeu no seu bicentenário, celebração para a qual nenhum ministro de Estado, presidente etc se deu ao trabalho de comparecer.
Existe a visão anedótica de que um samba-enredo é basicamente meia dúzia de termos em dialetos africanos, mais alguns lugares-comuns e uma palavra que termine com I para rimar com Sapucaí no final. Mas quem se dá ao trabalho de analisar letras como a do samba da Imperatriz verá um primor de síntese e referência a partes expressivas do acervo de 20 milhões de peças, quase todo transformado em cinza por outro tipo de incompetência.
A proposta do enredo era passar uma noite no Museu (já que um desfile de carnaval via de regra se dá nesta parte do dia). Usou como referência o filme com Robin Williams (Uma Noite No Museu).
Onde a musa inspira a poesia
A cultura irradia o cantar da Imperatriz
É um palácio, emoldura a beleza
Abrigou a realeza, patrimônio é raiz
Que germinou e floresceu na colina
A obra-prima viu o meu Brasil nascer
Este pedaço inicial fala do prédio em que o museu se instalou, a Quinta da Boa Vista, uma propriedade particular numa colina de frente para o que era então a Praia de São Cristóvão – daí o “boa vista” – e que foi ofertado à família imperial portuguesa. Esta morava no Paço, no centro da cidade, mas precisava de um local mais seguro, longe do burburinho da capital. Dali, do alto da colina, a casa de dois andares, que foi reformada, onde nasceu Dom Pedro II, a família viu a cidade aumentar, com frequência aterrando braços da baía de Guanabara.
No anoitecer dizem que tudo ganha vida
Paisagem colorida deslumbrante de viver
No trecho acima vem a referência ao filme hollywoodiano em que o acervo do museu ganha vida depois que o museu é fechado ao público e a noite cai. Em seguida começa o desfile do acervo.
Bailam meteoros e planetas
Dinossauros, borboletas
Brilham os cristais
O canto da cigarra em sintonia
Relembrou aqueles dias que não voltarão jamais
Fala-se do setor do museu dedicado à astronomia, à arqueologia com esqueletos da megafauna brasileira, à mineralogia (paixão da imperatriz) e à imensa coleção de invertebrados (essa salva do incêndio por estar em outro prédio). Os últimos versos da primeira parte do samba se refere aos tempos dos Dinossauros, mas ganhou outra dimensão depois do último dia 2 de setembro.
Voa tiê, tucano e arara
Quero-quero ver onça pintada
Os tambores ressoaram, era um ritual de fé
Para o rei de Daomé
Para o rei de Daomé
O refrão reforça a vocação de acervo de história natural do Museu, com os espécimes nativos do Brasil e faz menção aos objetos do tempo da escravidão e a cultura africana, por meio dos tambores e de um trono do rei Adadonzan, de Daomé, presenteado a Dom João VI.
A segunda parte do samba leva o visitante do museu para a coleção da história antiga, da qual a peça mais famosa é a múmia de uma mulher que teria sido uma cantora pela qual um faraó se apaixonou e mandou mumificar para que preservasse a beleza da juventude. A deusa Vênus é uma escultura da ala de arte greco-romana, à qual pertence também os afrescos de Pompéia.
A brisa me levou para o Egito
Onde um solfejo lindo da cantora de Amon
Ecoa sob a lua e o sereno
Perfumando a deusa vênus sem jamais sair do tom
Em seguida, a visita passa a enfocar os primeiro humanos a pisarem no Brasil e o fóssil mais antigo das Américas, Luzia, cujo crânio ainda não se sabe ao certo, se também ficou totalmente destruído pelo fogo.
Marajó, Carajá, Bororó
Em cada canto um herdeiro de Luzia
O Museu também dedica um setor aos demais povos autóctones da América quando por aqui aportaram os europeus, como os Incas.
Flautas de chimus e incas
Sopram pelas grimpas linda melodia
O passeio vai se aproximando do final quando o dia amanhece, as “princesas fantasmas” deixam o fabuloso jardim com sua fauna tropical (lembram dos tiês e araras do refrão?) e os portões da Quinta da Boa Vista se abrem para o público que frequenta o parque.
A luz dourada do amanhecer
As princesas deixam o jardim
Os portões se abrem pro lazer
Pipas ganham ares
Encontros populares
Decretam que a Quinta é pra você
Parte expressiva desse acervo descrito no samba se perdeu para sempre e ficará na memória apenas dos registros digitais que sobreviveram e ao enredo da Imperatriz.
BÔNUS
Enquanto as autoridades disputam quem é mais culpado pela tragédia, vale lembrar que a Imperatriz não é a única escola de samba que deu espaço a instituições culturais em seus desfiles. Neste mesmo 2018, a São Clemente comemorou o centenário da Escola Nacional de Belas Artes.
https://www.youtube.com/watch?v=xqvjWQCQUVk&t=2727s
Em 2007, a Mangueira homenageou a língua portuguesa e mostrou o prédio e parte do acervo do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, também destruído em incêndio há três anos.
Um ano antes, a Viradouro fez um enredo em homenagem aos arquitetos e uma de suas alegorias era o museu em forma de disco voador localizado em Niterói, o Museu de Arte Contemporânea.
E em 2019, a Vila Isabel abrirá um setor do seu desfile para falar do Museu Imperial, dentro do enredo sobre Petrópolis.
COMENTÁRIOS