Ilha quer fazer a Sapucaí salivar e comer com os olhos em enredo sobre comidas
A União da Ilha quer entrar na avenida com fogo alto no Carnaval 2018. O enredo, idealizado mais uma vez pelo carnavalesco Severo Luzardo, fala sobre os hábitos alimentares da população brasileira. Brasil Bom de Boca fala de sabor, saber e sentido do patrimônio gustativo brasileiro. “Quando comemos, ingerimos a história, a antropologia, o social, o político, o religioso, a economia, as tecnologias, o mito e o tabu”, diz o texto da sinopse.
Muitos e muitos enredos já abordaram a comida brasileira, geralmente como parte de outras histórias. A Mangueira já falou da manga (1993), o Estácio da fruta sapoti (1987) e do arroz com o feijão (1989), a Imperatriz da banana (1991). As mais recentes talvez tenham sido a Vila Isabel (2013) quando falou da vida do campo e o Salgueiro, quando homenageou Minas Gerais (2015). O próprio Salgueiro em 1977 fez um desfile em homenagem à cachaça e a segunda parte do samba exaltava as comidas que harmonizavam com a branquinha.
Relembre o memorável desfile da Estácio, o Tititi do Sapoti:
E Yes, nós Temos Banana, da Imperatriz:
Já um enredo inteiro sobre comida é uma abordagem menos corriqueira e corajosa, porque as ideias em torno da representação de comidas já foram bastante exploradas, como a genial coroa da Imperatriz feita de bananas. Mas a tricolor da Ilha do Governador tem um trunfo em seu carnavalesco. Severo Luzardo apresentou uma leitura multicolorida e cheia de texturas que encantaram a avenida no desfile de 2017 com um tema calcado em lendas africanas sobre a criação do universo, injustamente tachado de “batido”
Do ponto de vista de narrativa, a história é organizada de forma didática e cronológica. Começa pela chegada de Cabral, que trouxe caravelas cheias de especiarias com a qual teria seduzido os índios. Depois dele, vieram hordas de caravelas portuguesas tal qual arcas de Noé, coalhadas de animais e plantas que viriam a se adaptar aqui.
A aclimatação dos europeus à terra do Pau-Brasil se fez no mesmo ritmo em que descobriram e misturaram suas tradições com os sabores locais, dos quaise se destacam o caju, a mandioca (farofa, beijus, tapiocas). Segundo o enredo, os índios pesavam a mão na pimenta, usavam muitas folhas e ervas cozidas ou batidas no pilão. O pirão fez sucesso…
O setor dedicado às contribuições dos negros traz informação curiosa. A de que, por influência dos portugueses, os bantos quando chegaram ao Brasil já sabiam usar ingredientes indianos e árabes. Por meio deles, foi introduzido o uso do leite de coco e do cuscuz, sem esquecer do dendê, ingrediente do hoje multifamoso acarajé. Nas senzalas, a fusão de comidas africanas e portuguesas continuou ocorrendo legando-nos a feijoada, talvez o prato mais icônico da culinária brasileira, porque em volta dela nasceu o samba.
Em seguida, o enredo defende que, se há um presente da Terra Brasilis a seu povo, esse foi a fertilidade. Aprendemos a dominar as técnicas e tanto a criação de animais como a agricultura produzem super-safras. A variedade de legumes, verduras, frutas, geram pratos ricos em ingredientes como o arroz de carreteiro.
A última parte do desfile da Ilha recebeu nome curioso: Saindo do Armário da Cozinha, que é dedicado aos petiscos, às bebidas dos bares da vida, da caipirinha acompanhada de toda sorte de quitutes, inclusive a coxinha no balcão de vidro dos pés-sujos das grandes cidades. E a escola pede que a gente fique de bem com a vida e coma sem culpa, do jeito que quiser, paçoca com açaí, pão de queijo, brigadeiro. Afinal a dieta só começa na segunda-feira.
Por ser enredo de Severo Luzardo, notório por temas complexos, a narrativa puramente gastronômica é entremeada de referências culturais, como as frutas no turbante de Carmen Miranda, a Gabriela de Jorge Amado ao falar do cacau e até citação à música Eu te Devoro de Djavan que une no mesmo verso Caetano Veloso e Leonardo Di Caprio, o que dá uma dimensão mais rica ao que pode vir na avenida além de um desfile de alas fantasiadas de comida.
A Ilha é uma das escolas mais queridas do Rio, dona de dois sambas que ultrapassaram as fronteiras do carnaval e fazem parte do repertório de qualquer brasileiro. Mas falta-lhe um campeonato e o casamento com Luzardo pode trazer-lhe a sustança que falta. Outros ótimos profissionais já passaram lá, mas não conseguiram o feito. A posição de desfile, 3ª de segunda-feira, é excelente e se a escola levar pra avenida um samba bom, pode voltar ao desfile das campeãs.
Registro sonoro de “O Amanhã”:
E um trechinho de “É Hoje”:
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