Mangueira pede mãozinha ao santo pra faturar o bi
Tem chegado à elite do carnaval uma nova geração de carnavalescos. Depois de levar a Mangueira ao título depois de 14 anos em seu primeiro desfile no Grupo Especial, Leandro Vieira tem os holofotes voltados para ele definitivamente. A verde e rosa foi a penúltima a divulgar enredo e, quando saiu a sinopse, ficaram todos encantados: Só Com A Ajuda do Santo.
A Mangueira vai falar da fé do brasileiro, das crendices, das simpatias, da religiosidade e como ela permeia a vida da gente, mesmo daqueles que não se definem como devotos.
A própria sinopse permite antever que o tema será tratado de forma leve, sensível, brincalhona e não sacra. Veja o trecho inicial:
Pra tudo que é santo vou apelar. Para o santo de casa, para o santo de altar. Vou bater na madeira três vezes, vela acesa, copo d’água. Galho de arruda pra espantar quebranto e mau olhado. Vou saudar o Benedito, e se a graça eu alcançar, tem zabumba e reco-reco, ponho a congada pra desfilar. Vou pedir aos Santos Reis, afastar os móveis da sala, abrir portas e portões, dar licença para os mascarados “vadiá” no salão. Bordar uma bandeira pro Divino. Pedir a São João. Cortar papel fino pra fazer balão. Enfeitar de cravos e rosas a capelinha de melão.
O texto é um primor de síntese. Em apenas quarto parágrafos consegue dar um panorama muito interessante sobre o quanto os santos estão no dia a dia do Brasileiro. Nas Festas Juninas, na Festa do Divino, no Dia de Reis, nas simpatias.
Como não podia deixar de ser, explora também o sincretismo com as religiões de matriz Africana que levam até mesmo católicos a pular ondinhas, jogar flores brancas no mar, a “baixar o santo”.
A “carnavalização” é feita de forma muito inteligente. Se estamos no universo das crenças e da fé, que a Mangueira comande a procissão, pois “seu verde e rosa, todo mundo sabe, há muito tempo virou religião”.
Se o encadeamento dos setores do enredo não está explícito no texto, ele é sugerido e o tom coloquial provavelmente ajudará bastante os compositores a fazerem sambas de forte apelo popular, sem teses nem metáforas complexas.
Quis a ordem de desfile que as últimas três melhores colocadas em 2016 encerrem o carnaval de 2017. Com um embate direto entre Mangueira e Portela, as que foram mais aclamadas pelo público. Ambas tem enredos de fácil entendimento e carnavalescos talentosos. É pra deixar o povão na Sapucaí até a última ala passar.
A Mangueira surpreendeu e encantou a avenida na homenagem a Bethânia, inclusive pela criatividade e singeleza de alguns carros. Não tinham a suntuosidade da Beija-Flor ou as peripécias tecnológicas do conjunto alegórico da Portela, mas eram extremamente pertinentes ao enredo. Quem não se lembra dos dois grandes tripés com santos católicos no desfile?
Com um título no currículo e “ajudado” pela crise, Leandro Vieira emplacou outro enredo autoral. Agora há expectativa enorme em torno da apresentação da Mangueira. O carnavalesco sabe disso e promete muita criatividade, até para driblar as limitações de orçamento. Daí também vem o bem humorado “PS” na sinopse. “Expedito, você que é dado ao impossível, será que faria mal, chegar ao ouvido do pai, e interceder por mais esse carnaval?”. J
Sem dúvida, foi uma bela largada para quem busca o bi.
LEIA NA ÍNTEGRA A SINOPSE DA MANGUEIRA
Momento da Saudade
Em 1988, a Mangueira também encerrou o desfile como foi em 2016 e será em 2017. No ano dos 100 anos da Abolição dos Escravos, várias escolas abordaram temas ligados à negritude, mas a disputa mesmo ficou entre a Vila Isabel, com seu histórico Kizomba, e a Mangueira. No tempo em que os desfiles terminavam com a luz do dia clara e com 5,5 mil componentes, a verde e rosa encheu os olhos da Sapucaí com um de seus sambas mais bonitos. “Será que já raiou a liberdade, ou se foi tudo ilusão. Será que a Lei Áurea tão sonhada, há tanto tempo assinada, não foi o fim da escravidão…”. A Mangueira foi vice-campeã.
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