Desfile de segunda tem sambas mais famosos de 2019

Bateria da Mangueira em 2018 – Foto: Gabriel Nascimento / Roitur

O sorteio da ordem de desfile colocou na parte final do Grupo Especial a maior parte dos sambas populares do ano. Será mantida a larga supremacia da Segunda sobre o Domingo em escolas campeãs?

Sambou? Sambou!

Logo na saída, um clássico do gênero: E o Samba Sambou. Trata-se de uma releitura do enredo feito pela própria São Clemente para o carnaval de 1990 e que lhe rendeu sua melhor posição até hoje no Especial, um 6º lugar. Depois de carnavais de Rosa Magalhães e o do ano passado, a escola de Botafogo queria recuperar seu DNA crítico.

A intenção da escola parece se casar bem com o estilo HQ de Jorge Silveira, que andou reprimido em 2018. Apesar de usar o samba de 1990, o enredo não repete algumas críticas e trouxe novas. A preto e amarelo inicia falando na Sapucaí como Hollywood, depois das distorções do samba, como os camarotes em que as pessoas sequer querem assistir às escolas. O setor 3 fala das questões envolvendo dinheiro e o 4 das vaidades excessivas, de carnavalescos, destaques… Por fim, uma ode aos “antigos carnavais”, quando tudo parecia mais espontâneo.

A São Clemente garante não ter sofrido com o corte de verbas, porque já havia dimensionado seu carnaval contando com pouco dinheiro. Mas vai sobrar crítica para todo lado. A escola tem de controlar bem a harmonia, para manter o canto das alas mais uniforme. A garra demonstrada no Ensaio Técnico, feito debaixo de um temporal, pode ser um bom indício.

 

https://www.youtube.com/watch?v=AGtjBAt_DIQ

Relembre o desfile original de 1990

Ano de fartura

Após a sátira, veremos o desfile de tom mais tradicional da noite, proporcionado pela Vila Isabel. Depois dos delírios de Paulo Barros, a escola do bairro de Noel Rosa convida os espectadores a conhecerem mais sobre a história de Petrópolis. Não só o enredo é tradicional, como a forma de contá-lo. Em Nome do Pai, do Filho e dos Santos, a Vila Canta a Cidade de Pedro é de autoria de Edson Pereira, carnavalesco que deu à Viradouro o título em 2018 e fez o estonteante conjunto alegórico da Unidos de Padre Miguel em 2017.

Petrópolis será contada sob o prisma da Princesa Isabel, homenageada no nome da escola. Critica-se o enredo por citar eventos como a Lei Áurea na versão oficial dos livros escolares. Mas não se engane: a Vila virá rica e com barracão imponente. Luxuosa como os cenários da cidade que homenageia. O abre-alas tem cerca de 60 metros de comprimento.

O samba está entre os menos badalados do ano, só que o refrão caiu no gosto da comunidade. A Vila também tem novidades na bateria: mestre Macaco Branco assumiu a Swingueira de Noel e devolveu sua identidade de ritmo, que o diretor anterior, Mestre Chuvisco, tentou mudar causando insatisfação nos ritmistas. Se a escola fizer um desfile correto pode estar entre as seis.

O grande reencontro

Quando os portões se fecharem pra Vila, o coração dos portelenses estará saindo pela boca. Será o início do reencontro mais esperado desse carnaval: a Portela vai trazer de volta ao templo do samba seu ídolo popular, Clara Nunes, uma das maiores cantoras brasileiras, morta em 1983.

Rosa Magalhães não se contenta em fazer enredos hagiográficos. Por isso, a sinopse, da qual participaram Fábio Pavão, presidente do Conselho Consultivo, diretor de carnaval, e Rogério Rodrigues, diretor do Departamento Cultural, vai muito além. Mostra a brasilidade de Clara Nunes. Suas raízes em Minas, seu encontro com Madureira e sua fascinação pelo bairro e sua multidisciplinaridade cultural. A mesma Madureira que já havia fascinado a pintora modernista Tarsila do Amaral. Daí nasceu Na Madureira Moderníssima, Hei Sempre de Ouvir o Canto de uma Sabiá.

Sem contar com patronos, mas com uma quadra ativa o ano todo com eventos culturais que vão da tradicional feijoada até concurso de samba de quadra, exposições e debates, a Portela teve vida dura para colocar o carnaval de pé com as restrições financeiras impostas pela Prefeitura. Mas nada nesse ano especial pode dar errado.

O samba-enredo é considerado em várias pesquisas e rodas de especialistas como o mais belo do ano. Afora essa medida, foi abraçado com extremo carinho pela comunidade, o que ficou explícito no ensaio técnico fortíssimo feito pela escola no dia 17 de fevereiro. Gilsinho está afiadíssimo, a bateria de Mestre Nilo pronta para emocionar com a batida pra Iansã no refrão do meio. Se o samba mxer com a plateia como faz com o componente, a Portela pode inundar a Sapucaí de emoção e se tornar forte candidata ao título.

 

https://www.youtube.com/watch?v=PDlapckc_OM

Veja trecho do ensaio técnico da Portela e o forte canto da escola

 

Ceará em evidência

Em seguida, teremos um dos enredos mais originais do ano, obra do ótimo Severo Luzardo na União da Ilha. A Peleja Poética Entre Rachel e Alencar no Avarandado do Céu vai ao Ceará para um fictício encontro e duelo entre dois escritores ilustres daquele estado, Rachel de Queiroz e José de Alencar, que não foram contemporâneos, diga-se.

Usando trechos dos dois escritores, a Ilha vai mostrar o Ceará por vários ângulos: as lendas, as comidas e artesanatos, as festas típicas, as belezas naturais e, no último setor, um aspecto que impressionou o carnavalesco: longe do esteriótipo do sertanejo sofredor, o Ceará que se modernizou sem abrir mão das tradições. Um dos símbolos são as rendeiras que trabalham debaixo de um gerador de energia eólica.

A bateria, com a saída de Ciça é um ponto de atenção para o desfile e o samba também não conseguiu grande repercussão. Agora o trabalho de Luzardo deve garantir à Ilha um bom visual e um projeto coerente, sem improvisações de última hora. A escola vai completa pra avenida, com crise e tudo.

Vamos bodejar?

Muda o desfile, mas seguiremos no Ceará. Isso porque o Paraíso do Tuiuti foi até Fortaleza buscar uma história sensacional para responder a pergunta que o mundo do samba se faz. O ano de 2018 foi atípico ou a Tuiuti mudou mesmo de patamar? A escola de São Cristóvão quer deixar claro que a resposta certa é a B.

O Salvador da Pátria conta a história (real) do bode Ioiô, que veio para Fortaleza fugindo da seca. Trocou de dono e passou a circular livremente pelo centro da cidade e frequentava um café em que a intelectualidade se encontrava. Resultado: em um pleito municipal, ele acabou eleito vereador, como forma de mostrar o descontentamento da população com os políticos. Parece familiar?

Pois bem. A proposta do carnavalesco Jack Vasconcelos é carregar ainda mais na dose de humor para manter lá em cima o nível da escola. Isso ficou claro no Ensaio Técnico, quando a comissão de frente distribuiu laranjas para a plateia em alusão às investigações em torno de candidaturas femininas de fachada nas últimas eleições.

O samba da escola tem pegada mais alegre em relação ao belíssimo lamento do hino azul e amarelo no ano do vice-campeonato. Teve gente que torceu o nariz, mas a escola provou tanto na Sapucaí quanto nos ensaios de rua que está afiada e aposta em uma comunicação com o público para voltar a provar para os jurados que merece ficar entre as grandes.

Componentes no animado ensaio técnico do Tuiuti domingo passado – Foto: Alexandre Macieira / Riotur

Na luta a gente se encontra

Na madrugada de terça-feira, depois do protesto da Tuiuti contra a política, vem o mais contundente enredo de 2019. A Mangueira e seu Histórias para ninar gente grande, propondo novas abordagens para a história do Brasil. Só para fazer um contraponto, enquanto a Vila coloca a princesa Isabel no pedestal, para o enredo da verde e rosa, há muita gente do povo que lutou mais e contribuiu para o fim da escravidão, como o “dragão do mar”, ou Chico da Matilde, responsável pelo fato de a abolição ter chegado antes ao Ceará que no resto do Brasil. Olha o Ceará aí de novo!

A Mangueira vai desfilar personagens “que a história não conta”, o “avesso do mesmo lugar” como nos versos do belíssimo samba-enredo, provavelmente um dos hinos com maior potencial para extrapolar o carnaval 2019 e viver além dele se não for muito bombardeado pela opinião pública conservadora. Apesar de não ter um refrão explosivo, como Tijuca e Portela, por exemplo, tem um pedaço de intensa emoção quando pede para celebrar mulheres guerreiras da nossa história, entre as quais incluiu Marielle Franco. O assassinato da ex-vereadora do Rio estará a dez dias de completar um ano quando a Mangueira estiver na avenida.

Assim como a Portela e de forma até mais acentuada, a verde e rosa sofreu com as restrições orçamentárias, mas tem Leandro Vieira no comando do barracão, uma personalidade criativa e que tem entregado alguns dos projetos mais encantadores nos últimos carnavais, independente do resultado. Ao lado de Salgueiro e Portela, a Velha Manga compõe o trio de desfiles mais esperados do Carnaval 2019.

Em busca do tempo perdido

Encerrando a maratona do Grupo Especial, a Mocidade Independente trará para a Sapucaí outro desfile que tem como grande estrela, um samba de boa qualidade. Eu Sou o Tempo, Tempo É vida, de Alexandre Louzada vai discutir o que é o tempo na vida da gente e como nós o utilizamos.

A performance independente vai se apoiar no samba de Diego Nicolau (e parceiros) e a escola de Padre Miguel vai se apoiar nele e no desempenho cadenciado da bateria para brilhar na manhã de terça. O abre-alas será uma grande estrela de neón sobre a qual virá a maior ídolo da escola, Elza Soares, já anunciada como enredo de 2020.

A escola teve problemas durante a preparação do carnaval, por causa das questões orçamentárias. O barracão ficou fechado algum tempo, assim como a quadra, sem ensaios em dezembro. Por outro lado, buscou resolver problemas no ateliê das fantasias. No ano passado, o quesito foi um dos pontos mais fracos da escola por questões de acabamento.

Para o vice-presidente e homem de comunicação da escola, Rodrigo Pacheco, a verde e branco virá forte para tentar repetir o feito de 2017 e faturar o título, desta vez na quarta de Cinzas. Para isso, além de samba e bateria, a escola conta com o desempenho da Comissão de Frente, ponto alto da escola nos dois últimos anos e que promete novas surpresas.

Ainda não decorou os sambas da sua escola? Ouça aqui! 

04 de mar de 2019

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