Escolas de samba precisam ir atrás da independência financeira
Nesta semana o mundo das escolas de samba cariocas recebeu duas notícias sobre o mesmo assunto e com sinais distintos. Primeiro foi o comunicado da Liesa informando do cancelamento “em definitivo” dos ensaios técnicos para o Carnaval 2018. Motivo: a penúria financeira.
Bom, como a entidade não é exatamente um modelo de transparência, não se sabe se isso faz parte de um jogo de pressão ou se o fluxo de caixa está realmente atrapalhado a ponto de inviabilizar a realização deste evento que faz parte do calendário da cidade e é um elo importante entre escolas e povão.
Está claro que a Prefeitura do Rio, na administração do bispo, não fará qualquer esforço para sequer respeitar aquela que é sua maior fonte de renda com turismo, o carnaval. Provavelmente por motivos ideológicos, o prefeito tem interesse em minar aquela que é sua galinha dos ovos de ouro. Os repasses municipais, ao que constam, estão levando mais tempo que o informado, o que faz supor que Crivella não tem interesse em incluir as escolas de samba no seu calendário de janeiro a janeiro.
Existe a promessa de recursos federais, via Ministério da Cultura, mas que também ainda não foram liberados. Os empresários que prometeram levantar fontes de recursos privadas para a festa não trouxeram qualquer novidade. As escolas perdem, assim, uma das principais plataformas de divulgação dos desfiles. Pelo menos até segunda ordem.
Na mesma quarta-feira, uma das campeãs do carnaval reuniu a imprensa com uma pauta auspiciosa. A Portela contratou uma agência para desenvolver um projeto de branding e caminha para se tornar uma entidade capaz de captar recursos de forma profissional. O objetivo da escola, segundo seu presidente Luis Carlos Magalhães, é a autossuficiência. “Não dá mais para as escolas de samba ficarem com o pires na mão, esperando a Prefeitura “, afirmou.
Hábil com as palavras, Magalhães deixou claro que é obrigação, sim, do poder público dar apoio às escolas, pela importância cultural e econômica que representam para o país. Ainda assim, lembra que uma marca com o valor da que a Portela ostenta não pode ser deixada só ao sabor dos ventos. “Como pode a gente planejar um carnaval sem saber o quanto e como vamos receber?”
A administração Portela Verdade, que chegou ao poder em 2013, criou mecanismos culturais para dialogar com a sociedade além dos “muros” do carnaval, com iniciativas como rodas de samba temáticas e exposições na quadra, eventos sobre a história da agremiação em uma casa na Lapa e a criação de elos com admiradores fora do Rio por meio dos “consulados”, que têm representação até em Tóquio. Foi criado um programa consistente de sócios torcedores que já consegue sustentar os salários do staff da quadra. Vem por aí uma loja virtual para que a enorme legião de fãs possa adquirir produtos com a marca Portela sem necessariamente terem de ir à quadra.
Este exemplo virtuoso da Águia precisa ser seguido pelas demais escolas para que elas se imponham como entidades culturais que são. Portela, Mangueira, Salgueiro, Império Serrano, Mocidade, Beija-Flor, Imperatriz e muitas outras são instituições, não apenas grêmios recreativos, confrarias. Precisam cuidar de sua história, zelar por seu patrimônio cultural, procurar formas de gerar recursos utilizando os mecanismos de captação disponíveis para outros players do mercado.
Se este projeto da Portela der certo, e tem tudo para decolar, as escolas podem entrar numa nova fase, numa espécie de maioridade. Nesta sexta, enquanto fecho a coluna leio na internet um “teaser” da São Clemente dizendo que a diretoria vai reunir forças para “dar aos clementianos o espaço que sempre mereceram”. Tomara seja mais uma iniciativa insurgente contra esse estado de coisas. O samba não precisa pedir licença.
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