Salgueiro vai homenagear as mães negras ao longo da história no Carnaval 2018

Quem gosta de assistir a séries de TV já deve ter ouvido pelo menos uma vez o termo “spin-off”. Ele é usado para definir a situação em que uma parte da história ou personagem de uma série dá origem a um novo programa. Pois o enredo do Salgueiro para o Carnaval 2018 poderia se encaixar nesta categoria. Senhoras do Ventre do Mundo é uma frase do samba para Candaces, enredo afro que a vermelho e branca apresentou em 2007.

Mais importante que a citação ao samba de 2007 é a temática: o Salgueiro fará homenagem à mulher negra, partindo dos primórdios da humanidade e selecionando personagens relevantes para a identidade religiosa, cultural e étnica. Especialmente pela primeira parte, a abordagem lembra bastante o famoso desfile de 2007, que produziu um samba para a antologia salgueirense. O resultado final, no entanto, foi um modestíssimo 7º lugar, o que deixou a escola da Tijuca inclusive fora do desfile das campeãs.

O desfile da escola em 2007:

Senhoras do Ventre do Mundo é o primeiro trabalho de Alex Souza no Salgueiro, que acaba de encerrar um casamento de 14 anos com Renato Lage. O componente da escola adora temas afros e essa foi uma escolha inteligente de Alex, aproveitando uma data interessante. Em 2018, completará 55 anos do antológico desfile do Salgueiro em homenagem a Xica da Silva. A escola foi campeã e aquela, segundo Alex, foi a primeira vez que uma mulher foi homenageada como tema principal de um enredo.  

Ouça uma regravação do samba histórico de 1963 com imagens da época do desfile:

A viagem começa lembrando que a raça humana nasceu na África e usa como personagem um fóssil feminino de milhões de anos batizado pela ciência de Lucy ou Dinikinesh, que seria uma espécie de mãe ancestral da humanidade.

A partir daí, o Salgueiro divide seu enredo em seis setores, com o primeiro dedicado às rainhas negras que lideraram exércitos e consolidaram cultura e arte, nomes como a Rainha de Sabá, outra que já foi personagem em outro desfile da escola, sobre as Minas do Rei Salomão.

O segundo setor é dedicado ao Egito e a divindades femininas como Ísis e Neith, a deusa mais velha. Em seguida a escola lembra das guerreiras que lutaram contra o imperialismo europeu em Angola, na Etiópia e, já no Brasil, as que estiveram no Quilombo dos Palmares, Teresa de Benguela, do quilombo Quariterê, e Luísa Mahin, líder de uma rebelião de escravos na Bahia, conhecida como a revolta dos malês, em 1835.

A quarta parte do desfile se dedica às matriarcas, mães pretas que viraram amas de leite de seus “sinhozinhos” nos engenhos e fazendas e depois se tornaram empreendedoras, seja nas feiras livres ou com seus tabuleiros, como doceiras, quituteiras e quitandeiras.  Em seguida, a escola enfoca as curandeiras donas dos saberes das ervas e as mães de santo com suas tradições religiosas. O encerramento é na área cultural, com escritoras como Maria Firmina dos Reis (1825-1917), considerada a primeira romancista brasileira e Carolina Maria de Jesus (1914-1977), que foi enredo este ano na Renascer de Jacarepaguá com um samba lindíssimo.

Samba da Renascer 2017:

O Salgueiro adora enredos afros e a expectativa é de que a sinopse do enredo, exposta de maneira simples, consiga inspirar a ala de compositores. Em 2017, o ótimo enredo sobre a Divina Comédia de Dante produziu um samba com letra muito bem feita, mas que não cativou a avenida do ponto de vista melódico.

Alex Souza afirma que a ideia do enredo é também servir de libelo contra os preconceitos de gênero e raça, num ano politicamente importante para o Brasil, quando o povo terá chance de renovar o Congresso e eleger novo presidente. O carnavalesco encerra o desfile homenageando a resiliência da mulher negra, matriarcas, guerreiras, às vezes mães solteiras e figuras de destaque nas escolas de samba: velha guarda, passista, baiana e porta-bandeira.

 

 

09 de jun de 2017

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