Você já ouviu falar em samba-enredo composto por encomenda?

A concepção de um desfile de carnaval começa pela escolha do tema. Os carnavalescos fazem uma sinopse do enredo, explicam aos compositores pra eles poderem compor seus sambas e participarem do concurso que vai determinar qual será cantado no Sambódromo. Certo? Nem sempre. Às vezes, as escolas cancelam o concurso e encomendam o samba a uma parceria específica.

O assunto voltou a ser debatido depois que o Paraíso do Tuiuti anunciou que vai encomendar seu samba-enredo para o desfile de 2018. Thor, o presidente da escola, pediu a Dona Zezé, Jurandir e Aníbal, compositores que já assinaram muitos hinos da azul e amarelo, e eles convocaram ainda Moacyr Luz e Claudio Russo, que compõem sambas encomendados na Renascer de Jacarepaguá. Thor justifica a medida pela força do enredo, uma crítica ácida ao racismo no Brasil, usando como mote os 130 anos da Lei Áurea.

Em 2017, o enredo do Tuiuti, sobre os 50 anos da Tropicália foi muito festejado, premiado pelo S@mbanet como o melhor do Grupo Especial, mas o consenso é de que o samba não estava à altura. Isso acontece e não é raro: bons enredos dão azar e não produzem uma boa safra de músicas e a escolhida será provavelmente esquecida depois do carnaval. Daí a atitude de Thor de assegurar uma “griffe” e ter um hino que permita à escola uma apresentação competitiva em 2018.

Samba-enredo da Viradouro em 2015:

 

Esse costuma ser o principal argumento usado pelos dirigentes de escolas, principalmente quando ocorre no Grupo Especial. Em 2015, a Viradouro passeou no desfile principal sem fazer concurso. Apresentou um samba “adaptado” por Gustavo Clarão baseado em duas obras de Luiz Carlos da Vila, compositor já falecido e que não foram concebidos originalmente como samba-enredo. Fez um desfile debaixo de temporal e voltou para o Grupo de Acesso. Nos anos 1980, surgida de um cisma na Portela, a Tradição encomendava sambas para João Nogueira e Paulo César Pinheiro, parceiros em muitas composições interpretadas por Clara Nunes e assim fez até 1989, com sucesso.

Ouça o samba da Tradição de 1988, quando ela desfilou pela primeira vez no mesmo grupo que a Portela, interpretado na gravação oficial por João Nogueira:

https://www.youtube.com/watch?v=2A-JWzSv_oQ

 

Mas não deixa de ser estranho. Muitas escolas tradicionais se formaram em torno de compostiores, como a Portela de Paulo Benjamin de Oliveira, Caetano e Rufino, a Mangueira de Cartola e Carlos Cachaça, o Império, a Imperatriz. Não ter uma disputa de samba-enredo é, em certo sentido, um desprestígio para uma das alas mais importantes da escola, e pode representar um tiro no pé do ponto de vista econômico. O concurso de sambas-enredo movimenta as quadras entre julho e outubro; sua ausência significa menos público e recursos.

Só que isso também tem outro lado: as disputas envolvem muita vaidade, os compositores gastam às vezes o que não têm para promover suas músicas e terem chance de vencer. Algumas vezes, os resultados são mal recebidos, como ocorreu ano passado na Portela com uma briga na quadra que provocou o afastamento de Noca da Portela, inconformado com a derrota.

Segundo disse Samir Trindade, compositor do hino campeão da Portela em 2017, em entrevista ao site SRZD, o gasto médio para emplacar um samba no Especial gira em torno de R$ 70 mil, o preço de um sedan médio. O dinheiro é usado na gravação do áudio em estúdio, de um clipe para as redes sociais, na contratação e transporte de torcidas para empolgar nas exibições do samba na quadra durante o concurso. Se a campanha é vitoriosa, o lucro é certo; por isso alguns ficam tão irritados quando perdem: é investimento de risco.

Produção feita para o concurso do samba da Beija-Flor pro carnaval 2017:

 

Os custos da disputa têm crescido e inviabilizado a participação de muitas parcerias. Por essa razão, algumas escolas pequenas optam por dispensar ou limitar o concurso. Na Série A de 2018, Acadêmicos do Sossego e Renascer de Jacarepaguá terão sambas encomendados. No Especial, a São Clemente também vai inovar. Convidará compositores “notáveis”, que já venceram na escola para participar da disputa e pagará os custos. Objetivo: economizar e ter um sambão.

Samir Trindade, com razão, defende que os compositores sejam mais prestigiados nas escolas, afinal sem samba, não há desfile. Mas, cobra ele, os compositores precisam ser menos desunidos.

26 de maio de 2017

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