Uma segunda-feira para entrar na história do carnaval

Suntuoso abre-alas da Vila em seu enredo sobre Petrópolis – Foto: Fernando Grilli / Riotur

Tudo o que o domingo teve de frio, a segunda-feira compensou. Desfiles com vários sambas de ótima qualidade e momentos de grande emoção e diversão para torcedores e espectadores do Sambódromo. E o melhor: sem uma gota de chuva para fechar as apresentações oficiais com o brilho que se espera do Maior Espetáculo da Terra.

Mangueira, presente!

Não é fácil destacar uma escola sozinha, mas a Mangueira pulou na frente na bolsa de apostas e até já faturou o Estandarte de Ouro de Melhor Escola, anunciado na manhã de terça-feira. O carnavalesco Leandro Vieira prometeu e entregou uma crítica contundente à história oficial do Brasil, que ignora personagens importantes das lutas populares e glorifica ou idealiza outros, como Tiradentes (cuja existência vários historiadores duvidam hoje), ou o Marechal Deodoro, que proclamou a República, foi seu primeiro presidente, mas era monarquista!

As alegorias da Mangueira, assim com da Portela e Tuiuti, eram menos imponentes, mas extremamente pertinentes ao enredo. Destaque para o carro que trazia sugestões de alteração à história do Brasil, ou o outro que criticou a dizimação dos índios pelos bandeirantes, com um Monumento das Bandeiras (um dos símbolos de São Paulo) pichados com dizeres “ladrões” e “assassinos”.

O samba, um dos mais populares, funcionou bem e a bateria se comportou de forma segura. Uma das bossas simulava uma fanfarra militar quando o samba mencionava “os anos de chumbo”, levando o povão ao delírio. A comissão de frente representava, por sua vez, a parte do samba que citava “os heróis que não estão nos retratos” da história. Foi um desfile memorável para brigar pelo campeonato.

Bateria da Portela foi um show à parte – Foto: Gabriel Nascimento / Riotur

Epa-hei, Oyá

No quesito emoção, poucas escolas igualaram a Portela, que desfilou sua homenagem a Clara Nunes em noite inspiradíssima do carro de som que interpretou um dos melhores sambas do ano com maestria. A exibição da Tabajara do Samba foi antológica com batidas de candomblé no trecho do samba em homenagem a Iansã, orixá de Clara Nunes. Isso fez com que o canto da escola fosse forte, entre as melhores dos dois dias. A comissão de frente também trazia uma homenagem a Iansã, com participação da cantora Mariene de Castro, interpretando a cantora.

O enredo não pretendia fazer uma hagiografia comum de Clara Nunes, mas de situar o contexto cultural de Madureira que a fez se tornar portelense. Seu contato com a cultura afro, os terreiros se deu no bairro em que a Portela nasceu. Desfilando depois da Vila Isabel, o conjunto alegórico portelense ficou em desvantagem, embora sempre pretinentes ao enredo. A Águia deve brigar para voltar no sábado.

Vila Rica

A Vila Isabel fez o desfile mais suntuoso de todo o Especial, superando até mesmo as invencionices de Paulo Barros na Viradouro. O Abre-Alas muito longo, todo dourado e com enormes cavalos à frente chamou a atenção pela riqueza. Ou o carro dos índios. As fantasias também luxuosas davam a impressão de que a escola do bairro de Noel era barbada para vencer o campeonato. Só que o enredo sobre Petrópolis foi desenvolvido de forma convencional, pouco inventiva e terminou de forma meio estranha na abolição dos escravos.

A Swingueira de Noel, comandada pelo Mestre Macaco Branco fez uma apresentação segura, mas não conseguiu salvar o samba-enredo, que era dos mais fracos da noite. Isso tornou o desfile um pouco monótono a certa altura.

Ilha retada

Samba também foi o que faltou à União da Ilha, que fez sua melhor apresentação no Especial desde 2014. Do ponto de vista plástico foi uma das melhores das duas noites do Especial, obra do competente Severo Luzardo. Fantasias e alegorias eram relativamente fáceis de identificar dentro do contexto da história do Ceará. A anunciada peleja entre os escritores José de Alencar e Rachel de Queiroz, no entanto, não aconteceu.

Um dos grandes destaques da Ilha foi a Comissão de Frente, que trouxe nordestinos e um Padre Cícero que voava sobre um drone. A bateria casou muito bem com a voz de Ito Melodia e tornou a harmonia segura, ainda que nem todos os componentes cantassem.

Wander Pires puxa o samba da Mocidade na avenida – Foto: Gabriel Nascimento / Riotur

Outra escola que cometeu um pecadilho em enredo foi a Mocidade com sua saga do tempo que mostrou relógios demais e fez uma conexão um tanto rápida com a própria história da escola, que tinha peso alto no dolente e melodioso samba de Diego Nicolau, interpretado sem firulas demais por Wander Pires, o que foi um ponto alto. A bateria Nota 10 estava numa cadência deliciosa, ideal para um desfile matinal.

O conjunto alegórico da Mocidade era relativamente simples, mas trazia um pouco de neón e as fantasias se adaptaram bem à luz do alvorecer que atingiu a Mocidade logo no início de seu desfile. Um belo encerramento que só não foi mais quente porque o público ainda estava pensando no que tinha visto no desfile contundente da verde e rosa.

Crítica e humor

O Paraíso do Tuiuti e a São Clemente eram as duas outras escolas que tinha propostas de enredo críticas. A São Clemente fez uma releitura do enredo de 1990 sobre os rumos do samba de forma bem humorada, resgatando o DNA da escola e consolidando o estilo HQ de Jorge Silveira. A crítica aos desfiles de hoje foi feita sem poupar nenhum ator. Desde os cartolas, na comissão de frente, até os compositores que fazem “escritírio”, uma prática para denominar pessoas que compõem para diversas escolas, às vezes usando laranjas.  Samba e bateria funcionaram muito bem.

O Tuiuti tinha responsabilidade de repetir o feito de 2018, quando arrebatou a avenida com seu enredo sobre o preconceito. A crítica social esteve presente na história do Bode Ioiô, conta de forma muito bem-humorada, com visual colorido e pra cima, como pede a Fortaleza em que o bode se tornou famoso. O samba conseguiu se comunicar com a plateia que cantou bastante, assim como os componentes. A escola, no entanto, teve problemas de evolução e chegou a abrir burcacos no setor 3. Jack Vasconcelos, o carnavalesco, provou que a escola de São Cristóvão chegou pra ficar no Especial.

 

05 de mar de 2019

COMENTÁRIOS