Estácio de Sá conta a história do Cristo Negro no Carnaval 2019

Foto: Gabriel nascimento | Riotur

Uma história que mistura fé, religiosidade, superstição e muita sensibilidade: esta é a mistura feliz de fatores que forma o enredo da Estácio de Sá, uma das principais escolas da Série A, ou Grupo de Acesso, no Carnaval 2019.

A Fé Que Emerge Das Águas tem concepção do jovem carnavalesco Tarcísio Zanon e a sinopse é um primor de sensibilidade, escrita pelo jornalista Daniel Targueta, ano passado responsável pelo texto na Unidos de Padre Miguel. Conta a história do Cristo Negro, uma estátua de madeira em tamanho natural que teria sido recuperada por pescadores próximo ao litoral de Portobelo, cidade localizada na costa caribenha do Panamá, país com o famoso canal que liga o Mar do Caribe ao Oceano Pacífico.

Como bem convém a um tema de conotação religiosa, a sinopse foi escrita em forma de oração.

Pai Nosso que emerge das águas

Santificado seja vosso nome: Nazareno

Venha a nós neste momento

E abençoada seja vossa chegada

A origem exata desta estátua é incerta. A versão mais difundida é a de que vinha sendo trazida da Europa, quando o mau tempo teria obrigado o navio a aportar em Portobelo. Por cinco dias, os marinheiros tentaram seguir viagem, o que sempre era impedido pela fúria das águas. Até que eles cismaram que o problema era a presença da estátua e jogaram-na ao mar. Segundo a versão, após tal providência, finalmente veio a calmaria e eles seguiram viagem. A estátua foi recuperada e levada até uma capela onde ficou até a construção da Igreja de San Felipe, onde está hoje. Sua cor escura vem da madeira original na qual foi entalhada por artesão espanhol.

 

Estátua do Jesus Negro, em Portobelo, Panamá

Por via das dúvidas, a sinopse também cita a versão de que a estátua do Nazareno teria sido arrastada pelo mar até a praia e encontrada por um pescador negro e considerada pelos habitantes locais como uma aparição concreta de Jesus, principalmente depois que uma epidemia que afetava a região cessou na mesma época:

Pai Nosso que emerge das águas

Resplandecente como o pássaro sagrado

Em teu altar a medalha de ouro ofertamos

Para que traga a nós as correntezas do Pacífico e do Atlântico

As águas, antes bravias, contigo se acalmaram

E o povo, colérico, enfim ficou curado

O manto da estátua é trocado duas vezes por ano, na Semana Santa, e durante o festival do Cristo Negro, que ocorre em 21 de outubro, com ofertas no altar da Igreja de San Felipe na cidadezinha no litoral caribenho do Panamá.

O enredo se dedica então a dizer que essa estátua é um símbolo das três raças, algo que diz respeito à história do Panamá, mas pode muito bem ser transportada para a nossa realidade. A dimensão de Jesus como personagem que ensina compaixão, sobretudo pelos mais necessitados.

Se Jesus Cristo tivesse morrido na cruz dos dias de hoje

Ele seria negro

Porque nosso Cristo é o Cristo Negro

Nosso Cristo é o que seu povo quer que ele seja

Aí está o início da conexão do tema com o Carnaval, fazendo Ismael (Silva, um dos fundadores da Deixa Falar, considerada a primeira escola de samba da qual a Estácio é herdeira) tirar seu chapéu panamá para os peregrinos de Portobelo.

O enredo é concluído com uma mensagem de esperança tão necessária nestes tempos sombrios em que vivemos, em meio a crises tanto aqui quanto além-mar:

Pai Nosso, bendito e misericordioso

Cristo de braços abertos sobre as águas

Aquele que comparte o fardo da nossa cruz diária

Ajuda-nos a mirar o passado com gratidão

Encarar o presente com valentia

E construir o futuro com esperança

Tudo feito sob medida para emocionar. A sinopse poética, ainda que torne mais trabalhoso identificar os setores do enredo um a um, é uma guia potencialmente poderosa para os compositores, que podem se fiar mais à emoção que em detalhes históricos do tema sendo apresentado.

Veja trecho do desfile da Unidos de São Carlos de 1975 sobre o Círio de Nazaré

e ouça a gravação mais recente do samba-enredo

https://www.youtube.com/watch?v=JV4O4fr5h_w

A Estácio tem alguma tradição com enredos religiosos. O mais famoso deles ocorreu em 1975, quando fez um samba antológico sobre a festa do Círio de Nazaré, em Belém, ainda com seu nome antigo, Unidos de São Carlos. O samba foi reeditado pela Viradouro no Carnaval de 2004, quando a Estácio não estava no desfile principal.

Em 2016, a escola fez uma apresentação bastante boa para o enredo sobre São Jorge, já com Zanon na equipe de criação. O desfile teve momentos belíssimos e alegorias de ótimo nível, mas foi, inexplicavelmente, rebaixada para a Série A. Zanon acredita, segundo contou ao portal Srzd, que toda vez que a escola apresenta temáticas de tom religioso tudo flui melhor.

Com um enredo interessante e cheio de possibilidades, se escolher um bom samba, a Estácio se posiciona fortemente para a disputa do título da Série A no Carnaval de 2019. Ela e a Unidos de Padre Miguel seriam as principais forças, com o excelente enredo da Cubangu correndo por fora, assim como a Porto da Pedra, que homenageará o ator Antonio Pitanga, mas sofreu recentemente um incêndio no barracão.

Reveja o belo desfile da Estácio em honra a São Jorge Guerreiro

31 de ago de 2018

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