Acadêmicos do Cubango define seu tema para o Carnaval de 2019

Foto: Mestre Carnaval

Uma nova geração de carnavalescos tem trazido um frescor muito bem-vindo ao universo dos enredos das escolas de samba cariocas. O Acadêmicos do Cubango é uma das agremiações beneficiadas por esta onda. Em 2018, livrou-se de um enredo CEP sobre o bicentenário de Nova Friburgo para apresentar um comovente desfile sobre a obra de Arthur Bispo do Rosário, que rendeu-lhe o 5º lugar na Série A. Esta semana, anunciou seu tema para o Carnaval 2019: Igbá Cubango – a alma das coisas e a arte dos milagres, concebida por Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal.

A ideia é falar sobre objetos de poder, objetos para pedir proteção, de pagar promessas, ou aqueles que prometem milagres. A escola quer mostrar “a alma das coisas”, que também foi título de um antigo programa da Rádio Nacional e de um livro com estudos de antropologia e patrimônio, organizado por José Reginaldo Gonçalves, Roberta Guimarães e Nina Bitar.

Igbás ou cabaças dos assentamentos, figas, balagandãs, amuletos indígenas, carrancas, ex-votos do catolicismo, dos quais o principal representante é a vela, tudo isso fará parte do desfile da verde e branco, que é uma escola tradicional de Niterói, com forte identidade religiosa.

Vinícius Natal acredita que todos estes tipos de instrumentos poderiam ser chamados de ex-votos, mas os criadores do enredo não queriam que as pessoas ficassem presas à ideia que a palavra “ex-votos” invoca – miniaturas, cartas, tabuletas ou esculturas e partes do corpo humano. A escola vai falar, de maneira geral, sobre objetos de devoção, coisas materiais que conectam o ser humano àquilo que ele considera sagrado.

Bora, Haddad e Natal são acadêmicos, estudiosos, cheios de referências culturais e perceberam o quanto havia de relação entre o enredo de 2018 e o de 2019. É como se o primeiro fosse um recorte do que será contado ano que vem. Para Gabriel Haddad, o enredo é simples e cheio de simbolismos ao mesmo tempo, fazendo referência a algo que é muito comum no universo das escolas de samba – amuletos, guias, fitinhas, medalhas.

Desfile da Cubango em 2018:

https://www.youtube.com/watch?v=SlCPvhM6TmM

Segundo Leonardo Bora, a arte contemporânea brasileira dialoga com a estética dos ex-votos. “De saída, podemos citar os nomes de Adriana Varejão, Farnese de Andrade, Efrain Almeida e Graça Góes. A obra de Arthur Bispo do Rosário, além de possuir um caráter votivo (uma obra em oferecimento a Deus), reúne elementos visuais que todo o tempo nos remetiam à estética dos ex-votos.” Enquanto faziam a pesquisa, eles descobriram que Mestre Vitalino também esculpia ex-votos, o que deu ainda mais corpo à ideia central.

De maneira geral, o enredo começa com a Cubango cantando sua linha temática preferida, o universo afro-brasileiro e os objetos mágicos que compõem este imaginário. Lembra o histórico desfile de 1979, com o samba Afoxé, passa por todos os setores desta simbologia popular e termina, de acordo com Haddad, de forma carnavalizada, tropicalista, com referências a Oswald de Andrade, falando da mercantilização de falsos objetos sagrados. O fio condutor da narrativa e a sinopse oficial do enredo serão divulgadas no dia 24 de maio na quadra da escola.

Para quem não está atento ao mundo das escolas de samba, a Cubango pode passar despercebida, mas sua história é bastante interessante. Sempre foi uma das grandes forças do carnaval de Niterói. Passou a desfilar no grupo principal de lá em 1964; ganhou 11 vezes, sagrando-se pentacampeã em 1979, exatamente com o enredo que será relembrado em 2019.

O histórico samba de 1979:

https://www.youtube.com/watch?v=vx95S9ADb94

Nos anos 1980, o Carnaval de Niterói, que tinha então o segundo desfile de escolas de samba mais importante do país, entrou em crise. As três grandes forças, Cubango, Viradouro e Acadêmicos do Sossego, decidiram migrar para o Carnaval carioca. A Cubango foi refratária a receber ajuda econômica de patronos e, por isso, sempre lutou com orçamentos curtos, enquanto a Viradouro chegou logo ao Grupo Especial (em 1991) e seis anos depois foi campeã.

Com forte tradição de enredos afros, assim como o Salgueiro, e como nunca chegou ao Especial, ficou com fama de escola excessivamente tradicional, para não dizer endurecida. Mas não foi isso que os carnavalescos que assumiram a escola em 2017 encontraram. O casamento deu super certo, tanto que a verde e branco ganhou Estandarte de Ouro de melhor samba e escola do Grupo A e Leonardo Bora e Gabriel Haddad o de melhores carnavalescos da Série A em 2018 com o enredo sobre Arthur Bispo do Rosário.

O tema escolhido para 2019 abre um campo riquíssimo para outro belo trabalho do trio. Quem sabe a Cubango não está amadurecendo sua estreia no desfile principal, 33 anos depois de atravessar a ponte Rio-Niterói e vir para o Carnaval carioca.

18 de maio de 2018

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