União da Ilha recorre à mitologia negra para obter bom resultado

 

Depois do grande desfile que fez em 2014, a União da Ilha não conseguiu manter-se no pelotão da frente no Grupo Especial. Esse ano, mesmo com um tema popular, os Jogos Olímpicos, ficou em penúltimo. Para voltar a obter um bom resultado, a tricolor recorre à mitologia negra no carnaval 2017.

Nzara Ndembu – o Senhor do Tempo é um enredo assinado por Severo Luzardo, que fez o Império Serrano no último carnaval. Já falei aqui de vários enredos abrangentes em 2017. A Mangueira fala da fé do brasileiro, a Portela das águas doces, Tijuca se propõe a contar a história da música norte-americana e a Vila a da influência negra na música da América inteira. Mesmo assim, nada é mais amplo que o enredo da Ilha, que vai contar a saga do universo inteiro na tradição bantu. Serão bilhões de anos em cinco setores de desfile. Haja simbolismo!

Como toda narrativa mitológica, os elementos da criação são invocados no enredo e batizados com os nomes segundo a tradição bantu. No primeiro setor, fala-se do grande criador e da “magia” do tempo. O setor seguinte é dedicado à Pangeia (o grande continente de Terra). Na terceira parte, as águas doces, que permitiram a incrível variedade de vida, e as salgadas. O quarto setor é dedicado ao elemento fogo, que tanto atrai o ser humano. No quinto e último, se fala do ar.

A narrativa é de difícil compreensão. Ainda que o texto possua imagens poéticas e seja bem escrito, é confusa a conexão com temas como a religiosidade africana, o progresso da humanidade e, no final, como ele pode se articular com o respeito ao meio ambiente para garantir vida às gerações futuras.

Como os nomes são de difícil assimilação, parece um pouco aqueles filmes ou novelas com personagens demais e que a gente se perde. Para se ter uma ideia, basta dizer que o nome do enredo Nzara Ndembu só aparece na última linha da sinopse. Dá a entender que é ele é o senhor do tempo. Ainda que lá no começo tenha um trecho que diz assim: Foi quando surgiu a necessidade de convocar Kitembo, Rei de Angola, e transformá-lo no Inquice mágico do tempo: o tempo cronológico e o tempo mítico estariam reunidos para toda a eternidade.

A carnavalização, item fundamental para aproximar o enredo do ambiente em que acontece, só é citada na justificativa. “A União da Ilha pede licença para dançar no ritmo do Tempo. Tal qual o povo guerreiro de Além-mar, veste a ancestralidade de um Rei consagrado no tempo e no espaço. Faz do carnaval, o renascimento e a celebração do Tempo Rei, aquele que detém o poder de tudo transformar. Com as páginas do passado, escrever no tempo presente o futuro para uma nova era, um novo tempo.”

Se o texto não é claro para quem lê, imagino a dificuldade para os compositores traduzirem isso em versos e o público assimilar na observação fugaz da avenida. É aquela história: enredos mitológicos podem dar muito certo ou dar muito errado. A Vila, em 1993, veio com um enredo estranho e um samba memorável de Martinho sobre a criação do mundo. A Beija-Flor também já abordou o tema em 1978, só que na tradição nagô. Vamos torcer para que os compositores tenham assimilado as explicações do carnavalesco e consigam produzir bons sambas para a Ilha, que tantos momentos gostosos já nos proporcionou.

 

CONFIRA A SINOPSE COMPLETA DA UNIÃO DA ILHA

 

Momento da memória

 

A União da Ilha é dona, provavelmente, do par de sambas-enredo mais conhecidos da história, O Amanhã (1978) e É Hoje (1982). Apesar da fama de segunda escola de todo mundo, precisava de um campeonato para fazer jus à relevância que tem na história do carnaval. Um de seus desfiles mais memoráveis foi em 1989. Com Festa Profana, a Ilha emplacou outro samba-enredo que levou a Sapucaí ao delírio. Chegou em terceiro lugar contando a história do carnaval com ousadia. Sabe aquela regra de que nudez total no carnaval não pode? Pois é, foi reforçada depois desse desfile.

 

28 de jul de 2016

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