Samba e enredo fazem das escolas uma ópera à brasileira

A história e a música do desfile são a essência das escolas. Entenda como os quesitos são avaliados

Já classificaram o desfile das escolas de samba como uma grande ópera ao ar livre, o que não chega a ser exagero. Se é ópera, tem história contada por meio de música. Esses são os dois últimos quesitos da série para entender o julgamento do carnaval da Sapucaí: o enredo e o samba-enredo.

 

Nos primórdios do carnaval, as escolas comunicavam temas à comissão julgadora, mas sem alas fantasiadas, alegorias e mesmo com músicas que não eram totalmente vinculadas ao tema, o enredo era uma abstração. A partir de 1935, a Portela começou a fazer alegorias relacionadas ao tema e depois fantasias, o que deu novo significado a enredo.

 

Nos tempos atuais, é a primeira coisa que se decide em uma escola de samba para o carnaval seguinte. A partir da ideia é feita uma sinopse que descreve em linhas gerais o que a escola vai contar. Mais adiante no processo de confecção do carnaval, é feita outra peça, a defesa do enredo, em que se detalha setor por setor como o desfile vai se desenvolver. O ideal é ter começo, meio e fim, como qualquer história bem contada. Isso nem sempre é obtido, porque algumas escolas escolhem temas genéricos demais e acabam fazendo apenas uma colagem meio aleatória.

 

Os julgadores de enredo analisam o tema ou conceito apresentado pela escola e dão notas de 4,5 a 5,0 com intervalos de 1 décimo para dois subquesitos: concepção – o argumento, o tema, a ideia básica da escola – e a realização, ou seja, a capacidade da escola em desenvolver a história proposta de forma compreensível através de alegorias, fantasias e outros elemento, a sequência lógica do desenvolvimento e a criatividade (não precisa ser inédito).

 

Como toda escola entrega o roteiro do desfile para os jurados, justificando cada setor, cada ala e alegoria, se algo não bater com este roteiro, o jurado vai penalizar a escola. Já aconteceu de carros quebrarem na concentração e a escola, para não perder pontos de evolução, adiantarem alas. Isso custa nota em enredo. Também tem de ser descontado se algo que está anunciado no roteiro não passa na frente do jurado, por exemplo, carros quebrados.

 

Um dos casos mais trágicos, ocorreu com a Portela em 2005. Para não estourar o tempo por causa da quebra de um carro, o presidente da escola mandou fechar o portão da concentração, deixando de fora do desfile o último carro, que trazia a velha guarda. Não foi apenas por isso, mas a cena do carro passando rebocado após o final do desfile com os velhinhos em prantos foi uma das cenas daquele carnaval. A Águia por muito pouco não foi rebaixada naquele ano.

 

Um dos elementos que ajudam a contar o enredo, provavelmente o principal deles, é o samba-enredo. As escolas já nasceram de samba, mas o samba-enredo não estava presente desde o primeiro desfile, em 1932. Há controvérsia sobre quem fez o primeiro samba-enredo: Unidos da Tijuca e Portela disputam a honra.

 

Na medida em que as escolas de samba se tornaram o principal evento do carnaval carioca, nos anos 60, essas músicas começaram a ser gravadas por sambistas famosos e passaram a integrar a trilha sonora do carnaval mesmo fora da avenida. Alguns são bastante conhecidos como “É Hoje”, da União da Ilha, em 1982, ou “Peguei Um Ita no Norte”, do Salgueiro, de 1993.

 

Assim como o enredo, o samba é julgado em subquesitos: letra e melodia. A letra não precisa ser uma descrição perfeita da história, pode ser interpretativa, ou seja, conta a história sem se fixar em detalhes. Ela é avaliada quando à adequação ao enredo, à riqueza poética, beleza e bom gosto e também na adaptação à melodia, ou seja, se os versos cabem nas frases musicais. Já a melodia é avaliada pela riqueza, bom gosto e desenhos musicais, a capacidade de sua harmonia facilitar a dança e o canto dos desfilantes e as características do próprio samba.

 

O samba-enredo é um gênero que produz, só no Rio, centenas de canções por ano e é o grande charme do desfile. Até porque ele modifica ao longo do seu ciclo de ouro, que vai da final em que uma música é promovida a hino da escola até o momento em que ele é cantado na avenida. Sambas que eram considerados “fracos” brilham  intensamente. Outros, muito badalados, murcham. Então, o grande momento, ainda que efêmero, são os 75 minutos do desfile oficial. Diga qual o seu samba preferido deste ano.

17 de fev de 2017

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