Entenda por que o julgamento das escolas de samba precisa melhorar

A cada fim de ciclo carnavalesco, quando são divulgadas as justificativas das notas dadas pelos jurados, há uma grita geral a respeito da qualidade da avaliação. Em 2017, com um fato agravante: a Mocidade que ficou em segundo lugar um décimo atrás da Portela, descobriu que sua nota 9.9 de enredo havia sido justificada pela suposta ausência de um destaque à frente de um carro. Não fosse por esse décimo, a escola acabaria na frente da campeã. A polêmica estava formada, embora esteja longe de ser o problema principal.

 

O engano do jurado com a ausência do destaque, descobriu-se depois, foi uma confusão, porque a escola havia enviado uma versão do roteiro de desfile, utilizada durante o curso de jurados que ocorre em janeiro. Depois disso, mandou uma atualização, que constava do livro Abre-Alas divulgado no carnaval. Só que o julgador utilizou a versão antiga, que continha as anotações feitas durante o curso e sapecou a nota de acordo com o roteiro errado.

 

E agora? A Mocidade é a campeã de direito? A Portela teria de entregar ou dividir o título com a escola de Padre Miguel? Torcedores querem que a verde e branco vá às últimas consequências, inclusive na Justiça, para arrebatar seu título – ainda que digam não colocar em dúvida a vitória da Águia.

 

Para mim e algumas pessoas mais experientes que conhecem o carnaval por dentro, vale lembrar: justificativa não é nota. A nota válida é apurada na Quarta-Feira de Cinzas. O jurado explicar porque não deu 10 é invenção criada para basear as discussões das escolas para o regulamento do ano seguinte e a avaliação dos jurados. Não servem para anular a nota dada, caso contrário seriam divulgadas na apuração. Ou, pelo menos, não serviram até hoje.

 

Fica claro que o sistema de julgamento das escolas de samba precisa mudar.

 

  • A Portela foi de fato a escola mais regular do desfile, merecendo 37 das 40 notas 10 possíveis. Considerando o descarte, a escola fez pontuação máxima em todos os quesitos, exceto comissão de frente. A Mocidade pecou em dois, bateria e enredo. Por isso, perdeu o carnaval. Mas consideradas as 40 notas possíveis, a escola teve 1,4 ponto descontado, contra apenas 0,3 da Portela. Valessem todas as notas, a verde e branco acabaria em quinto lugar. Conclusão: descartar apenas a nota mais baixa pode distorcer o resultado. Ou se descarta a mais alta e a mais baixa, ou valem todas as notas.
  • De fato, a Mocidade teria sido punida por um jurado por conta de um erro que não cometeu, a suposta ausência do tal destaque. Cabe perguntar, a ausência de um destaque prejudica tanto assim a leitura do enredo? Como diz um colega meu, se trata de um julgamento ou do jogo dos sete erros?
  • Pior que isso. Do ponto de vista de concepção, o enredo era o mais frágil do ano, cheio de liberdades poéticas excessivas como colocar no Marrocos personagens que nada têm a ver com o país, como Aladim e Sherazade. Deveria ter perdido muito mais que 0,1 em uma avaliação mais rigorosa.
  • Os jurados precisam estar melhor preparados do que estão. Este erro com a Mocidade está longe de ser o único absurdo. A comissão de frente da Grande Rio, o ponto alto da escola, foi punida por supostamente não ter empolgado o público. Detalhe: comunicação com o público não é item de julgamento do quesito. O samba-enredo, que era dos mais fracos do ano, mereceu as três notas 10 válidas.
  • Um espetáculo complexo e com várias artes interligadas como a escola de samba terá sempre uma dose de subjetividade na avaliação, mas é função da Liga e das escolas tentar pensar em maneiras de reduzir este grau. Seja convidando pessoas que entendam melhor o que é essa manifestação, seja treinando melhor as que escolheu e isso passa por avançar no estudo dos quesitos. A Mangueira cometeu uma falha grave de evolução na frente da cabine dupla. Foi punida com perda de 0,1 por cada jurado que viu. Outra escola teve buracos menores e perdeu mais pontos.
  • A São Clemente e a Tuiuti foram as mais prejudicadas. O julgador de Alegorias disse que os carros da escola estavam perfeitos, mas por serem menores do que os das demais escolas, tirou 0,2. Isso é um critério válido? Os carros da Tuiuti eram muito bons, mas foram julgados os piores do desfile junto com os da Vila Isabel (bem mais pobres em concepção e realização) e até os da Tijuca (que foram apresentados fora de ordem e um deles metade quebrado).
  • A Unidos da Tijuca, por conta do acidente com o carro alegórico, fez um desfile muito atribulado do ponto de vista dos quesitos e não ficou com o último lugar. Muito porque é uma escola forte e os jurados tiveram “pena” de pesar a mão.

O trabalho da Liga e dos dirigentes das escolas será duro na preparação para o carnaval 2018. É preciso evoluir na qualidade do julgamento e dos jurados. Não é possível que uma vitória categórica como a da Portela seja colocada em dúvida por conta de trapalhadas como essas.

24 de mar de 2017
1 COMENTÁRIO
  1. Muito bom seu texto Marcelo Hargreaves!

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