O desfile que fez da Unidos da Tijuca uma força do carnaval moderno

A Unidos da Tijuca é uma das escolas de samba mais aguardadas no Carnaval carioca. Mas nem sempre foi assim… A apresentação que ficou marcada como uma virada da escola do Pavão foi a de 2004, segundo episódio da nossa série de desfiles memoráveis.

A agremiação azul e amarela é uma das mais antigas do Rio. Alguns especialistas reivindicam para ela a invenção do samba-enredo, lá nos idos de 1936, ano em que conquistou o primeiro e que seria por décadas e décadas o único campeonato. Passou a partir dos anos 1950 por dificuldades e só voltou à elite do carnaval em 1981. Na década de 1990, produziu alguns bons sambas e desfiles medianos. Até que, em 1998, homenageou o Vasco e foi rebaixada. Seu retorno ao grupo principal se deu em 2000, com um quinto lugar.

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Para o desfile de 2004, a Tijuca trazia uma novidade: a estreia no Grupo Especial de um novo talento, Paulo Barros, que havia encantado a todos no ano anterior, no Paraíso do Tuiuti, com um enredo sobre Cândido Portinari. O tema escolhido: O sonho da criação e a criação do sonho: a arte da ciência no tempo do impossível.

A premissa é bastante simples: todas as descobertas da ciência que marcaram a história do homem foram, em algum tempo, sonhos; muitas invenções que fazem parte do nosso cotidiano eram apenas desejos impossíveis de homens que ousaram desafiar limites do corpo, da gravidade, da distância, do tempo, do espaço e da transformação da matéria.

A necessidade de sonhar permitiu ao homem a superação de seus limites. Acreditando ser capaz de interferir, controlar e desafiar a natureza, ele ousa, até o presente, acreditar ser possível conceber, até mesmo, a sua própria existência: mais um sonho de criação.

Havia uma certa dúvida se um enredo aparentemente abstrato teria a possibilidade de se comunicar com o público. O que se viu desde a comissão de frente foi um show de criatividade e, contra as expectativias, de fácil leitura. A comissão de frente era impactante: grandes figuras douradas com jeito de esculturas, saias giratórias e o cérebro à mostra fazendo uma questão. É a ciência que move o homem ou o contrário? Os integrantes estavam dentro de uma estrutura construída especialmente por um torneiro mecânico para que parecessem grandes engrenagens ambulantes!

Logo depois, o abre-alas com 1.200 relógios, simbolizando a máquina do tempo com 750 kg de cilindros de oxigênio e 400 quilos de alumínio, cheios de engrenagens, inaugurando um estilo de alegorias mais sintéticas, vazadas, menos poluídas, nas palavras do próprio Barros.

Seguiram-se alas fantasiadas de para-quedas, balões, aviões até o segundo carro batizado de Trapizongas, que exaltava a vontade do homem de dominar os céus e também optou por um estilo mais clean, objetivo e com personagens ora atuando, ora brincando de forma mais descontraída.

Outro grupo de criadores abordado pelo desfile foram os alquimistas, com alas como as múmias, uma fantasia feita com 80 metros de gazes ou as baianas que mais pareciam jardins deslizando pela passarela. Uma saia vazada e leve apinhada de plantas, flores e frutos, representando a importância da tradição popular dos povos na medicina. No final do setor, um grande laboratório medieval guardado por esculturas de feiticeiras.

Rogerinho e Lucinha Nobre (hoje na Portela) deram um show, como casal de mestre-sala e porta-bandeira, assim como Wantuir segurou com enorme competência o samba de estilão tradicional, que não tinha um refrão tão forte, mas foi cantado com muita empolgação pela comunidade tijucana. A bateria dirigida por mestre Celinho veio fantasiada de cientistas, com um chapéu em forma de cérebro e um ritmo seguro.

Dois dos carros que fizeram mais sucesso vieram na segunda metade do desfile. Primeiro o que homenageava a energia, com neóns, tons de vermelho, e dezenas de Franksteins muito bem ensaiados. Só a maquiagem dos componentes demorava cerca de oito horas. Mas o ponto alto mesmo foi a alegoria seguinte, que homenageava o DNA humano.

O lendário carro do DNA que arrebatou o público (Foto: Widger Frota)

A estrutra em forma de pirâmide não tinha nada demais. Era praticamente ferro puro! Ela despertava desconfiança dentro do barracão. Na avenida, subiram nele 127 pessoas com uma tinta azul no corpo e que faziam uma coreografia que representava o código da vida humana. Causou assombro pelos movimentos sincronizados, teatrais e empolgou o público (por volta de 26 minutos no vídeo).

O carro das 20 mil Léguas submarinas era feito com 300 mil canudos de plástico que davam o tom esverdeado do mar e também encheram os olhos do público. Essa característica de Barros, de pontuar seus enredos com referências populares do cinema, da literatura, da TV, se tornariam uma marca que contribuiu para a fácil comunicação de seus desfiles com o público.

Na saída do boxe a bateria fez uma paradinha diante dos setores 10 (antigo 4) e 11. Os chapéus dos ritmistas se abriram e de dentro saíram balões, como se fossem as ideias e criações, levando o público a aclamar a escola. Logo depois, o último carro, de inclinação futurista. Um disco voador feito de garrafas de plástico coroou uma apresentação surpreendente, que deixou a Sapucaí encantanda.

Nenhuma escola que desfilou depois da Tijuca, que foi a terceira de domingo, foi melhor, tornando muito verossímil o refrão do samba: “Sonhei amor e vou lutar para o meu sonho ser real com a Tijuca campeã do Carnaval”.

A repercussão foi excelente, rendendo os estandartes de ouro de enredo e revelação (para Paulo Barros). Já os jurados não foram corajosos e deram o título para a Beija-Flor, que tinha o melhor samba, mas desfilou debaixo de um temporal com as fantasias se desmontando pela pista. A Unidos da Tijuca ficou com o vice-campeonato, na época, o melhor resultado da história desde 1936 e a comemoração na quadra foi intensa.

Só que depois daquele desfile, a Tijuca nunca mais deixou de ser uma escola esperada, mesmo nos anos em que Paulo Barros assinava o desfile de outras escolas, como Vila Isabel, Viradouro e, mais recentemente, na Mocidade e na Portela. Nascia ali mais uma grande escola. O tão aguardado título veio em 2010 e depois em 2012 e 2014.

26 de out de 2018

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