Harmonia e evolução são a magia das escolas de samba

 

Em 1992, a Mocidade tinha o samba mais cantado do pré-carnaval e era a atual bicampeã do Grupo Especial. Parecia que era só desfilar e faturar o tri. Só que antes dela passar, entrou a Estácio de Sá com um samba sobre a semana de arte moderna de 1922 que tocou fogo nas arquibancadas. A escola respondeu com empolgação e a vermelho e branco faturou seu único título até hoje, derrotando a poderosa favorita que também fez um desfilaço.

De todos os quesitos, Evolução e Harmonia são talvez os mais imprevisíveis. Quando a escola se arma na concentração todo mundo já sabe como ela está de fantasias e alegorias, qual o samba. Mas como os componentes vão se comportar na avenida e se o samba vai casar com a bateria e o canto da escola são daqueles mistérios que fazem do desfile de escolas de samba um momento mágico.

Como muita gente confunde, vale esclarecer a diferença entre os dois quesitos. Harmonia tem a ver com o canto da escola e como ele casa com o ritmo da bateria. Os jurados dão notas entre 9 e 10 com intervalos de 0,1 e avaliam como o samba se entrosa com a bateria, se o intérprete (ou puxador) da escola canta o tempo todo no mesmo tom e se as alas cantam em consonância com ele. Antigamente, quando o sistema de som da avenida era mais precário, acontecia de uma parte da escola cantar uma parte do samba e o intérprete outra. Chama-se isso de “atravessar o samba”. Hoje os equipamentos de som são muito potentes e a chance de isso ocorrer é muito pequena. Agora, se o som da avenida ou do carro de som falhar, a escola não pode ser penalizada.

Se Harmonia é o canto, Evolução tem a ver com a dança e a progressão da escola pela pista. Os componentes dançam de acordo com o ritmo da bateria e do samba? A escola passa pela frente do público como um rio, que tem um curso mais ou menos regular, ou tem momentos em que para por muito tempo e depois corre em outros para compensar? Existe espaços demasiados entre as alas ou as alas se misturam?

Erros na evolução são capazes de tirar campeonatos – se os juízes virem. A mesma Mocidade, em 1999, fazia um desfile emocionante sobre a vida de Villa Lobos. Mas a quebra de alegorias causaram os fatídicos buracos (grandes espaços entre as alas) que custaram notas ruins de evolução. Em geral, quando isso acontece, algumas alas no desespero tentam se espaçar para ocupar o vazio  e o regulamento proíbe que o desfilante ande para trás. Os jurados canetam sem dó. A verde e branco acabou em quarto lugar naquele ano.

O desfile sobre Villa Lobos:

Sobre os buracos, vale ainda explicar uma coisinha: os jurados não podem descontar pontos da escola no caso dos espaços técnicos, ou seja, abertos para apresentação do casal de mestre-sala e porta-bandeira ou aqueles que ocorrem por conta de alas coreografadas e da saída da bateria do cortejo na altura do 2º recuo, entre os setores 9 e 11.

Aliás, você já se perguntou por que existem os recuos de bateria? A grande orquestra de percussão da escola e o intérprete do samba e seus acompanhantes no carro de som, que incluem um cavaquinho e um violão, ficam apartados do desfile exatamente para motivar os desfilantes que passam por eles para entrar na avenida animados. Lá pela altura da 15ª ala, mais ou menos no meio do desfile, entra a bateria no cortejo. E ela entra de novo no recuo mais à frente para manter o público do meio da avenida animado e os desfilantes da segunda metade da escola. A bateria geralmente vai fechar o desfile. Esta é uma estratégia para valorizar e ajudar a harmonia e a evolução da escola.

Se você vai desfilar, sempre tenha o samba na ponta da língua. Porque se um jurado perceber uma ala sem cantar ou simplesmente andando pela pista, pode tirar pontos da sua escola.

Assista ao desfile histórico da Estácio de Sá em 1992. A partir dos 20 minutos, a transmissão de tv descobre as arquibancadas enlouquecidas com o samba.

E o belíssimo e contagiante samba da segunda colocada de 1992, a Mocidade:

10 de fev de 2017

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