Está na hora de as escolas de samba buscarem novos parceiros para o Carnaval

Foto: Marco Antonio Cavalcante | Riotur

O Carnaval 2019 está a caminho: em quatro meses as escolas de samba estarão adentrando a pista do Sambódromo para mostrar a sua arte que encanta cariocas, brasileiros e gente do mundo todo. Sambas escolhidos, fantasias desenhadas, carros alegóricos lentamente começando a tomar forma. Mas falta um “detalhe”, aliás nada desprezível: o financiamento da festa.

Ao que tudo indica, as escolas de samba cariocas mais uma vez vão ficar com o pires na mão, à espera da subvenção da Prefeitura do Rio. O prefeito Marcello Crivella tem marcado uma série de reuniões com a Liga Independente das Escolas de Samba e não aparece, sem qualquer justificativa aparente.

Cada escola do Grupo Especial, segundo anúncio da própria Prefeitura, receberia R$ 1 milhão de subvenção para fazer frente às despesas de criação de suas respectivas apresentações. A primeira parcela costuma ser depositada no segundo semestre, para dar às agremiações fôlego financeiro numa fase de gastos intensivos como em compra de materiais. Não só o dinheiro não caiu, como até agora não há previsão de quando ele vem. As escolas temem que aconteça como em 2018, quando parte importante da verba foi liberada a poucos dias do carnaval. Pior: o prefeito andou dizendo não ter recursos para pagar o 13º aos servidores públicos. Sem dinheiro em caixa, as escolas de samba vão para o fim da fila na lista de prioridades desta administração municipal.

Com isso, tem havido relatos de atraso de pagamento de funcionários nos barracões e um ritmo mais lento na preparação das alegorias, o que atinge até escolas grandes.

A Riotur ainda busca patrocínio para os ensaios técnicos: a conta é de que faltariam cerca de R$ 4 milhões, segundo o jornal O Globo. Se a coisa permanecer como está, mais uma vez, a temporada pré-carnavalesca será privada dessa parte da preparação, realizada no Sambódromo e que é um encontro festivo com suas torcidas. As escolas, assim, não só teriam problemas no barracão, mas também nos quesitos evolução e harmonia, pois é necessário ensaiar com a escola em movimento. Algumas agremiações, como a Portela, costumam marcar ensaios de rua em Campinho ou em Madureira. O Salgueiro também ensaia na Conde de Bonfim, na Tijuca. Mas a mobilização que reúne maior contigente costuma ser o ensaio técnico na Sapucaí.

Até agora, só a iniciativa privada cumpriu sua parte com o Carnaval. A TV Globo, dona dos direitos de transmissão dos desfiles, já depositou o adiantamento para as escolas. A Uber foi a única a apresentar proposta para a licitação de encargos e contrapartidas da festa. Pelo contrato, ela vai ser a responsável pela montagem da infraestrutra provisória do Sambódromo e dos desfiles da Intendente Magalhães, em Campinho, onde se exibem as escolas dos Grupos B a E. Além disso, doará a cada escola do Especial R$ 500 mil a título de subvenção.

Já o poder público tem tratado as escolas muito mal. Além dos bolos que o bispo-prefeito dá, há informações desencontradas sobre se a Riotur renovou ou não o contrato do Sambódromo com a Liga, uma formalidade que pode gerar complicações jurídicas.

É inacreditável que o espetáculo mais importante da principal data turística da cidade que é cartão postal do país no exterior seja tratado com tamanho desdém por parte das autoridades que, no final, lucram horrores com o dinheiro dos impostos que os turistas nacionais e estrangeiros deixam na Cidade durante o Reinado de Momo. Ainda mais pelo fato de a má vontade explícita ser por motivos ideológicos.

Na preparação para o carnaval 2018, as escolas foram recebidas pelo presidente Michel Temer, em Brasília, a fim de discutir as questões de verba depois que a Prefeitura resolveu cortar pela metade a subvenção. O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, discursou, prometeu, mas nada se concretizou.

Agora, com Crivella na Prefeitura, a eleição de Wilson Witzel para o governo do Estado e Jair Bolsonaro em Brasília, todos alinhados ideologicamente, a perspectiva é das piores para as relações entre escolas de samba e o poder público. Provavelmente, o pior momento desde que as grandes agremiações se tornaram a principal atração do Carnaval em plena ditadura militar, quando censores chegaram a proibir o enredo do Império Serrano, em 1969.

A queda de braço dos sambistas com o poder público sempre foi atribulada. As escolas nasceram por geração espontânea e só viraram evento oficial em 1935. Mesmo assim, precisavam se registrar na polícia para poderem desfilar no carnaval e os ensaios bem mais modestos eram frequentemente avaliados como vadiagem. Só quando outras agremiações carnavalescas como os ranchos e as grandes sociedades entraram em decadência, o poder público passou a tratar as escolas de samba com um pouco mais de atenção, levando a sua elevação à condição de principal evento do carnaval brasileiro.

Esse retrospecto serve como lembrança. A melhor maneira de evitar essa humilhação recorrente é pensar e implementar modelos de financiamento da festa que não dependam da orientação político-religiosa dos governantes. O Estado deveria cumprir sua missão implícita de incentivo a um patrimônio cultural imaterial da cidade. Já que não cumpre, que saia da organização de vez, mas também que só receba o estritamente legal em troca.

No final das contas, essa é uma festa em que o principal ativo é criatividade. Então, não importa a dificuldade, sempre tem desfile. Só que as escolas precisam para ontem se organizar e buscar meios de captar dinheiro via leis de incentivo e, sobretudo, junto à iniciativa privada, o que é mais fácil de falar e não tão simples de obter. Só que é uma luta inescapável. Para isso, as escolas terão de profissionalizar ainda mais suas gestões e tornar cada enredo um projeto de marketing bem acabado.

Soa estranho usar esta linguagem em uma manifestação cultural, é verdade. Só que neste momento é a única chance que tem de sobreviver sem depender dos humores dos ocupantes do Poder Executivo, grande parte deles incapazes de enxergar a importância simbólica e popular para a cidade do Rio de Janeiro.

01 de nov de 2018

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