Como as escolas de samba se relacionam com a mídia

Desfile da Grande Rio em 2018 – Foto: Fernando Grilli | Riotur

Na entrada de 2019 houve escolas de samba fazendo shows em palcos na Praia de Copacabana, no Rio, na avenida Paulista, em São Paulo, e até em Fortaleza. Mas as TVs pouco destaque deram. A TV Globo, aliás, sequer gravou as vinhetas com trechos dos sambas-enredo para o Carnaval 2019. Estariam as escolas em crise com a mídia? A resposta é: sim e não. Como assim, Mestre?! Vamos lá.

As escolas de samba nasceram como evento marginal dos festejos carnavalescos. O fato de o desfile principal começar no domingo até hoje é fruto, lá atrás, de um problema de agenda. Nos anos 1930, quando se inventou o concurso de escolas de samba, o Carnaval só começava mesmo depois do meio-dia de sábado. A Terça-Feira Gorda era o dia reservado para as Grandes Sociedades e seus desfiles de carros alegóricos; a segunda-feira ficava com os ranchos, grêmios carnavalescos um pouco mais populares. Daí sobrou o domingo para as escolas.

Os jornais começaram fazendo cobertura discreta: publicavam apenas registros a respeito dos resultados e, em anos subsequentes, avisavam a ordem de apresentação das escolas. Conforme elas foram crescendo em popularidade e as autoridades as tratavam com menos preconceito, os jornais passaram a fazer registros mais detalhados.

O espaço ganhou outra dimensão nos anos 1950, depois que Walt Disney esteve por aqui e se encantou com o carnaval. A Portela chegou a se apresentar para a Duquesa de Kent, dentro do Itamaraty, o que seria impensável anos antes.

Portela se apresenta no Itamaraty para a Duquesa de Kent | Foto: Blog Acervo Portelense

A partir de 1960, a televisão se interessou pelos desfiles e começou a transmitir as apresentações completas e não mais flashes. As arquibancadas cresceram e o público começou a ter de comprar ingresso. As socialites, os artistas, celebridades desembarcaram de vez nos anos 1970. A essa altura, a cobertura de rádio, TV, revistas e jornais era enorme e intensa meses antes, o que só fez crescer nas décadas seguintes.

Mas e hoje? O que mudou? O primeiro fato é que o Rio de Janeiro não é mais o único epicentro de folia. Salvador tem grande importância e as escolas de samba de São Paulo saíram da sombra e crescem a cada ano. Dentro do próprio Rio, o samba-enredo perdeu espaço nas rádios para outros ritmos, o preço dos ingressos afastou muita gente da Sapucaí.

Então isso explica porque a Globo não fez vinheta e só transmite a partir da 2ª escola, porque o prefeito do Rio se sente à vontade para fazer de conta que o Carnaval não é a data mais importante do turismo na cidade etc.

Só que há ingredientes novos nesse bolo e, por isso, disse “sim” e “não” lá em cima: o espaço é menor do que já foi, só que a curva parece estar no sentido inverso. A tendência não é de queda: primeiro porque a internet fez florescer a imprensa carnavalesca, sobretudo sites, blogs e colunas como esta aqui, que falam do tema o ano todo. E também porque houve o Carnaval 2018: o desfile do Tuiuti, com forte componente político, Temer de vampiro e críticas à reforma trabalhista, teve repercussão nacional e internacional. As pessoas voltaram a debater o conteúdo dos desfiles.

Desfile do Tuiuti em 2018 – Foto: Gabriel Nascimento | Riotur

A vitória da Beija-Flor, com a crítica “contra tudo isso que está aí” reforçou nas escolas a sensação de que estar antenado à realidade do país pode render bons frutos em termos de mídia. Para esse ano, o próprio Tuiuti, a Imperatriz, a Mangueira, a Tijuca, a Grande Rio e o Império têm componente político marcado. Isso sem falar nas escolas da Série A dos Grupos de Acesso.

O jornal O Globo de hoje, por exemplo, traz uma matéria interessante com entrevista de dois carnavalescos, o da Vila Isabel, Edson Pereira, e da Mangueira, Leandro Vieira, comparando a visão de cada escola sobre o papel histórico da Princesa Isabel na Abolição dos Escravos. A Vila adota a visão tradicional de que ela teria sido uma progressista fundamental para o fim da escravidão enquanto o enredo da Mangueira reivindica o protagonismo para a luta dos negros, ao exaltar personagens da história do Brasil que os livros oficiais pouco mencionam.

Leia a matéria dO Globo clicando aqui 

Diante da penúria financeira, com perda de patrocinadores e o jogo duro do prefeito de ocasião, as escolas estão buscando alternativas. A Portela tem feito uma extensa agenda de eventos, levando a sua quadra não apenas sambistas como luminares da música brasileira, como Gilberto Gil e Maria Rita. Além disso, a adminitração e seu departamento cultural articulam atividades para o ano todo, reforçando seu papel de polo irradiador de cultura. A estrela de 2019 deve ser a FLIPORTELA, marcada para abril, uma festival de literatura que tem alcançado repercussão na cidade.

No campo dos financiamentos, recentemente saiu a notícia de que a Liesa conseguiu levantar via Lei Rouanet recursos para realizar os ensaios técnicos, embora a entidade ainda não tenha batido o martelo de que eles vão efetivamente ser realizados. Para a reaproximação do carioca com suas escolas, eles são eventos muito importantes.

Vila Isabel e Grande Rio também conseguiram pela mesma via captar recursos para tocar seus enredos: a azul e branca obteve R$ 110 mil para seu enredo sobre Petrópolis e a Grande Rio uma gorda doação de R$ 1,5 milhão da faculdade Estácio de Sá para sua proposta de falar de educação. Todas as demais escolas também possuem projetos formatados e seguem tentando levantar patrocínios na iniciativa privada.

Que as escolas continuem se movimentando para que seu relevante papel social e cultural tenha o devido reconhecimento do público e da sociedade brasileira como um todo, para muito além do desfile carnavalesco.

Em 1987, duas escolas falaram sobre a história das comunicações e do jornalismo, o Império Serrano com Quem Não se Comunica Se Trumbica e a União da Ilha com Extra! Extra!.

Império 1987

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União da Ilha 1987

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10 de jan de 2019

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