Bateria é o coração da escola, responsável pela empolgação

O ano era 1992. Estava eu na arquibancada do setor 11 esperando o desfile começar. Vi chegar um turista estrangeiro com uma parafernália para filmar, câmeras, tripés, suporte pra ombro. Quase um cineasta. Comentei com a minha amiga: “Esse aí não tem a menor noção do que está por vir”. Começou o desfile e ele diligentemente registrava tudo em foto e vídeo. Quando a bateria se aproximou, ele perdeu o rumo. Não sabia se pulava, se filmava, se chorava. As câmeras ficaram no pescoço enquanto ele se acabava de gritar a letra de uma música da qual não sabia uma palavra. A cena virou símbolo do quanto a bateria mexe com a gente, mesmo quem não é sambista inveterado.

A bateria é um segmento fundamental para a escola, que se confunde com a própria essência da escola de samba. É ela que sustenta o ritmo do desfile, empolga com sua cadência os milhares de componentes e o público com a maestria de suas manobras rítmicas. Por isso mesmo, ela é um dos principais quesitos em julgamento. Ter orgulho da própria bateria é um argumento extra de empolgação para os integrantes da escola. Não à toa, várias delas ganham “nomes de guerra” como Furiosa (Salgueiro), Tabajara do Samba (Portela), A Invocada (Grande Rio), Surdo Um (Mangueira), Não Existe Mais Quente (Mocidade).

De acordo com o manual do julgador, eles podem conceder notas de 9 a 10 com intervalos de um décimo e devem considerar “a manutenção regular e a sustentação da cadência da Bateria em consonância com o Samba-enredo”, a “perfeita conjugação dos sons emitidos pelos vários instrumentos”, a “criatividade e a versatilidade”. Ela é o coração da escola de samba, composta por naipes de instrumentos de percussão, tanto quanto uma orquestra. Os principais são os surdos, os taróis, as caixas, os tamborins, que são os violinos do samba. Na frente da bateria, geralmente, ficam afoxés, chocalhos, cuícas e agogôs, que dão aquele toque especial.

As baterias das escolas mais tradicionais têm características de batidas, instrumentos que se sobressaem, como os agogôs do Império Serrano, ou o surdo de primeira sem resposta na Mangueira. Não é obrigatório que elas façam as chamadas “paradinhas”, as acrobacias rítmicas que se popularizaram com o mestre André, diretor de bateria da Mocidade Independente nos anos 70. Daí em diante, as baterias foram se modificando. As últimas a aderirem à moda foram Mangueira e Salgueiro. Mas se fizerem paradinhas, precisam garantir que o retorno seja dentro do ritmo correto e sincronizado, daí o frio na barriga que toma o público quando presencia esses eventos.

Veja um pequeno vídeo sobre como surgiram as paradinhas de bateria, na versão da Mocidade:

Os jurados não têm de levar em consideração a quantidade de componentes de cada bateria, porque isso é avaliado em outro item de julgamento, as obrigatoriedades de desfile. O júri também desconsidera a utilização de instrumentos de sopro ou qualquer outro artifício que emita sons similares e não pode descontar pontos quando a bateria não para defronte às cabines de Julgamento e/ou não estacionam no 2º Recuo (entre os setores 9 e 11). Panes no sistema de som da passarela ou no carro de som do intérprete da escola também não fazem a bateria perder décimos preciosos.

A única hipótese de uma bateria ganhar zero é não se apresentar. Por incrível que pareça isso aconteceu em 1995, com uma escola chamada Canários das Laranjeiras. Os integrantes não receberam as fantasias a tempo e se recusaram a desfilar. A escola passou apenas com um tocador de surdo emprestado de outra escola.

Os acidentes mais comuns com as baterias ocorriam quando atravessavam o samba, ou seja, provocavam um descompasso entre o ritmo e o canto da escola ou se uns instrumentos ficavam mais acelerados que outros.

O mais comum, no entanto, são as baterias viverem de grandes momentos. Um dos mais famosos ocorreu no desfile de 1997 quando mestre Jorjão colocou os ritmistas da Viradouro para tocar em ritmo de funk em um dos refrões, levando o público ao delírio.

Outro foi quando o presidente da Mangueira inventou de levar duas baterias para o desfile de 2013. Elas se postaram em pontos diferentes da escola, mas ambas pararam no recuo do setor 11, cuidando para que uma das baterias não atravessasse a outra. O público foi ao delírio. Os jurados nem tanto.

23 de dez de 2016
1 COMENTÁRIO
  1. Muito bom so um detalhe agora é obrigado a paradinha ou (convenção)é como eles chamam agora

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