Ala das baianas é uma das grandes expectativas do público na Sapucaí

Baianas do Salgueiro no carnaval de 2014 / Riotur

Ela não vale quesito, mas é uma das alas que não podem faltar no desfile de escola de samba. Não só porque é obrigatória pelo regulamento; também porque traduz a história e a evolução das escolas de samba como agremiações carnavalescas: a ala das baianas.

O primeiro concurso da história das escolas de samba ocorreu em 1932 e, já no ano seguinte, o prefeito Pedro Ernesto criou através de decreto a ala das baianas nas escolas de samba, em homenagem às “baianas do acarajé”, que estavam sempre presentes nas ruas e casas de santo do início do século 20.

Importante lembrar que foi na casa de uma delas, Tia Ciata, que o próprio samba carioca foi moldado. No início do século, o samba era considerado atividade criminosa, mais ou menos como os batidões de funk são hoje. Baianas feito Tia Ciata organizavam festas em seus quintais onde os primeiros sambistas se reuniram. Ciata era casada com um policial, o que blindava seu quintal da perseguição das autoridades.

A casa de Tia Ciata ficava na Praça Onze, destruída para construção da pista bairro-centro da avenida Presidente Vargas. Mas não era a única. Outras agitadoras culturais também fizeram esse papel, como tia Esther, em Madureira, berço da Portela.

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Reportagem sobre a vida de Tia Ciata (1854 – 1924)

As baianas até hoje representam também a força espiritual e religiosa que sempre esteve ligada ao dia a dia das escolas. Até a evolução mais clássica delas, o giro, tem significado que remete ao candomblé.  A palavra gira vem de um dialeto africano e significa “abrir caminho” – ou seja, rodar em sincronia seria uma forma de purificar o local de desfile.

Atualmente, as baianas nem sempre vêm no início do cortejo, mas no teste de luz e som do Sambódromo, feito no último domingo antes do carnaval, as baianas são convocadas para fazer a lavagem da pista e purificar a avenida para a passagem das escolas.

No começo, a ala tinha mais homens que mulheres, vestidos nas roupas tradicionais, com turbante, saia e pano da costa. Eles costumavam proteger as mulheres dos integrantes de agremiações rivais (uma “agressividade” herdada dos ranchos). Mais tarde, eles foram proibidos no Grupo Especial e a ala passou a ser composta só pelas mulheres mais experientes, espécie de guardiãs das tradições das escolas. Nos Grupos de Acesso que desfilam na Estrada Intendente Magalhães, Zona Norte do Rio, homens podem desfilar de baianas, refazendo a antiga tradição.

Mais recentemente, a idade mínima para participar da ala caiu, até porque há um contingente importante dessas senhoras que não desfilam mais por terem virado evangélicas e são proibidas de participar do carnaval – na ala das baianas e em qualquer outro segmento da escola.

Durante alguns anos, as baianas foram quesito julgado pelos jurados. Quando deixaram de valer nota, argumentou-se que isso provavelmente as levaria a sumir com o tempo. Por isso, o regulamento instituiu a presença da ala como “obrigatoriedades de desfile”. As escolas do Grupo Especial precisam apresentar pelo menos 70 baianas na ala ou perdem 0,5 ponto de saída.

Baianas desenhadas por Paulo Barros para o carnaval de 2016 na Portela.

Apesar de não contarem ponto como ala, as baianas chamam bastante atenção dos jurados de evolução e também dos de fantasias. O traje delas é uma das grandes expectativas do público que costuma acompanhar os desfiles. Os carnavalescos sabem que agradar as baianas com seu figurino é um ponto importante de apoio para o desfile dar certo.

Apesar de haver muitas senhoras idosas, em muitas escolas as baianas não são refratárias a novidades e os carnavalescos já ousaram muitas formas, temas e tecidos. As baianas da Mocidade em 1985 desfilaram como seres espaciais, uma criação de Fernando Pinto, bem longe do figurino tradicional das “tias do Acarajé”.

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Compacto do desfile da Mocidade em 1985; as baianas aparecem aos 6 min.

Outra característica típica da ala é gostar de envergar as cores da escola na fantasia. Se elas não estão com a cor principal da bandeira, desfilam com trajes prateados, dourados, brancos e, em poucos casos, de preto, como conseguiu fazer Paulo Barros no carnaval de 2016 na Portela. A saia da ala das baianas era feita para criar um efeito de túnel do tempo quando girassem, produzindo efeito quase psicodélico.

Outra grande ousadia foi ensaiada pela Beija-Flor. No desfile de 2017, no enredo indígena sobre o romance Iracema, de José de Alencar, chegou-se a anunciar que as baianas viriam com o torso nu, causando furor e muitas sobrancelhas levantadas dos mais conservadores. Segundo Laíla, então diretor de carnaval, a grande maioria aprovou a ideia. Mas o patrono Aniz Abraahão David não gostou.

Baianas da Beija-Flor no desfile de 2017 desfilaram comportadas.

As escolas tradicionais como Portela, Mangueira, Salgueiro costumam trazer figurinos mais clássicos. Mocidade, Beija-Flor e Viradouro já foram premiadas e a Imperatriz, no tempo em que Rosa Magalhães era carnavalesca, tornou-se referência. Era impressionante a organização das baianas, que vinham em fila indiana, ocupando o espaço de forma mais uniforme, com giro bem sincronizado. A escola recebeu Estandartes de Ouro de melhor ala de baianas entre 1993 e 2000, exceto por dois anos (1996 e 1999).

Baianas da Imperatriz com figurino desenhado pelo grande Arlindo Rodrigues nos anos 1980:

Baianas da Imperatriz no carnaval 1997, no tempo de Rosa Magalhães:

01 de fev de 2019

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